1. Vamos ter um ministro que não decide? Uma CP sem estratégia? Comboios sem governo? E governo fora dos carris?
As notícias sobre a morte da ferrovia em Portugal não são claramente exageradas. Com a exceção de alguns autarcas (onde modestamente me incluo), de meia dúzia de especialistas e outros tantos jornalistas, e dos trabalhadores do setor, ninguém parece seriamente ralado com o assunto. É silly season. O tempo que é a triste medida política de Pedro Marques.
Não são só os investimentos que se lançam e lançam e lançam sempre que é preciso esboçar ação executiva. Não são só as obras fantasma que apenas no papel da propaganda oficial têm existência. Não são apenas as tentativas de aligeirar responsabilidades sempre que a realidade insiste em contrariar a narrativa. Também é isso, essa forma desavergonhada e cínica de tratar os portugueses, especialmente os que precisam do comboio para viver. Mas é mais do que isso. É a falta de segurança nas nossas linhas. É o machado permanente sobre o pessoal. É a supressão de comboios que não é apenas de comboios mas de tempo, de mobilidade, de economia e qualidade de vida. É tudo o que está mal, como nos conta a metáfora perfeita do Alfa que deveria ser pendular (mas não pode acelerar porque a linha não permite), que deveria ser confortável (mas que não pode circular ao calor) e que deveria ser moderno (porque nele se investiu, há dois anos, 18 milhões).
2. Até quando vamos fingir que não há uma discussão na Europa que vai mudar tudo nos comboios? Já a partir de 2019, em todos os Estados-membros, o transporte ferroviário será integral e totalmente liberalizado. Está criado o mercado único europeu do transporte ferroviário. Perguntar que medidas é que o governo português tomou para que a Infraestruturas de Portugal (gestora da linha férrea) e a CP (a operadora nacional) se adaptem a estas mudanças é apenas retórica. Sabemos a resposta.
O Mercado Único Ferroviário Europeu tem como premissa a interoperabilidade das linhas e a liberalização da prestação do serviço. Portugal, que em tempos teve projeto para seis linhas de ligação de alta velocidade à Europa e ainda não construiu sequer um único quilómetro de ferrovia na bitola europeia, arrisca-se a ser uma ilha ao largo da península, à deriva da Europa. Os fundos comunitários até pagam a maior parte do investimento – incluindo o indispensável Corredor Atlântico, que liga os portos portugueses a Madrid, Paris e Mannheim (no coração industrial alemão) –, mas a Europa não pode fazer pelos outros aquilo que o governo não se dispõe a fazer pelos seus. Não nos cansamos de perder oportunidades.
As linhas internacionais serão as mais disputadas pelos maiores, e melhores, operadores ferroviários europeus. A seleção será feita por concurso público internacional. Mas o governo que não pense que contenta as suas clientelas sindicais entregando diretamente à CP as linhas regionais e suburbanas. Isso não vai acontecer. Os portugueses, todos os portugueses, têm o direito de se libertar da subjugação da degradação da CP. A possibilidade de ajuste direto aos atuais operadores ferroviários, mesmo nas linhas que não sejam internacionais, não é um cheque em branco. Exige que o Estado comprove “melhoria da qualidade dos serviços ou da relação custo-eficácia, ou ambas”. Sinceramente, não vejo como é que a CP, no caso da Linha de Cascais, pode estar à altura da “exigência” feita pelo regulamento europeu que concretiza o mercado único.
3. Aplicando a lei europeia, resulta uma de três consequências: ou a Linha de Cascais terá um forte investimento do Estado até 2019 (coisa que me parece improvável, embora desejável); ou a operação é liberalizada e vamos ter comboios alemães, suíços, espanhóis ou franceses a fazer a mobilidade pendular entre Cascais e Lisboa (coisa que me parece provável, embora indesejável pela extrema-esquerda); ou o governo mata a linha até 2019 e, nesse caso, as autarquias terão uma alternativa a apresentar.
Este é o horizonte temporal que temos e as opções que estão em cima da mesa.
Portugal, disse-nos tantas vezes o governo, está a viver um milagre económico. Virámos a página da austeridade. Pergunto: com que direito é que o ministro Pedro Marques exclui do seu “milagre” os cascalenses, os oeirenses, os lisboetas e tantos mais que usam a linha diariamente? Nem o ministro nem o governo têm esse direito. E a extrema–esquerda, que com o seu fanatismo ideológico estoirou com o modelo que garantia a sobrevivência da Linha de Cascais, que continue bem caladinha, que lhe deve pesar a consciência. É que, se agora os utentes têm menos e piores comboios, devem-no ao PCP, que trocou a linha de todos pelo interesse de poucos dos seus. Se os utentes viajam em piores condições de segurança, ao cinismo do BE o devem, esse partido que rasga as vestes contra a aplicação de fundos comunitários na linha, mas abre os braços para os dinheiros de Bruxelas se para eles estiver destinado o nobre uso de renovação de propriedades privadas, especialmente se for do género casa-da-sogra-que-agora-diz- -que-é-alojamento-local.
Resumindo: temos um governo entre a espada e a parede. Ou entra em incumprimento perante a comunidade entregando sem mais a linha à CP – e garanto que estarei na primeira linha para denunciar esse incumprimento, que lesa de forma permanente e reiterada os portugueses que usam a Linha de Cascais; ou o concurso internacional para a Linha de Cascais vai mesmo para a frente e há futuro para os comboios numa das mais icónicas e importantes ferrovias do país.
Como estamos é que não podemos ficar.
Escreve à quarta-feira