O povo escolhido


Onde, no passado, existiu passividade e impotência, existe hoje ação e agressividade. O que resta do sonho de Gurion?


A Lei Básica do Estado-Nação do Povo Judeu, aprovada há uma semana no parlamento israelita por uma escassa margem de votos (62 contra 55), pôs em evidência uma realidade que alguns observadores pensavam estar, no mínimo, diluída.

A multiculturalidade da sociedade israelita, com os seus 20 por cento de árabes israelitas, não se compagina com a existência real de um Estado judaico, que impõe diferentes graus de cidadania. Os cidadãos de pleno direito são e serão sempre os judeus, o povo que regressou ao seu espaço original, depois de uma diáspora de mais de dois mil anos, e construiu um país sobre as areias de um deserto.

A construção do Estado de Israel está, desde a sua origem, envolvida em grande polémica internacional e é motivo, até hoje, de um conflito aceso com os vizinhos árabes.

Os judeus israelitas, nomeadamente os sabra – aqueles que já nasceram em Israel – “romperam com o passado de um povo impotente, perseguido e passivo”, nas palavras de um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Shloma Ben-Ami.

Na verdade, os sabra são os agricultores-guerreiros, assumindo as atividades que historicamente estiveram vedadas aos judeus da diáspora.

Os judeus “conquistaram” um país e mereceram a admiração internacional ao viabilizarem um Estado improvável, arrancado às areias do deserto, mas ainda sem fronteiras definitivas.

O seu fundador, Ben Gurion, apontou o caminho para sul, para a conquista do deserto. A Guerra dos Seis Dias, em 1967, alterou o trajeto e virou Israel para oriente, na ocupação dos denominados “territórios”, reclamados pelos árabes, mas onde os israelitas construíram colonatos.

Israel tem, pois, um problema externo – o conflito permanente com o mundo árabe e, concretamente, com os vizinhos palestinos – e outro interno: a sua diversidade étnica que esta lei básica vem agora esclarecer, impondo a supremacia judaica.

Israel, na minha opinião, tem todo o direito a existir. A questão coloca-se, no entanto, na indefinição das suas fronteiras, pela ocupação ilegítima de territórios.

Tenho ouvido e lido muitos comentários que conduzem sempre à mesma ideia: como é possível que um povo que foi perseguido durante milhares de anos e quase extinto durante a ii Guerra Mundial discrimine e ataque outros povos?

O argumentário de prós e contras não caberia nesta crónica. Acho mais importante realçar uma realidade: os judeus de Israel, obviamente descendentes da diáspora, não são, no entanto, os mesmos judeus.

Onde, no passado, existiu passividade e impotência, existe hoje ação e agressividade. É o espírito dos camponeses-guerreiros, os construtores do país, que prevalece.

Não foi por acaso que Ben Gurion chegou a afirmar: “Nós somos um povo sem história.”

Parece um verdadeiro paradoxo mas, na verdade, o que o pai-fundador queria dizer é que a verdadeira história dos judeus começava com a fundação do Estado de Israel e que prevaleceria o israelismo em detrimento do judaísmo.

A pergunta que nos assalta é a seguinte: o que resta do sonho de Gurion?

 

Jornalista