1. A Linha de Cascais morreu. Caiu aos pés de um governo socialista apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. Trágica ironia do destino: os carrascos da ferrovia nacional são exatamente os mesmos que afiançam ter o monopólio legítimo da defesa dos serviços públicos e do Estado social.
Lemos e ouvimos as notícias sobre mais desinvestimento e mais cortes na oferta de comboios na Linha de Cascais. Confesso que só me ocorrem duas palavras: tenham vergonha. Essa vergonha tem caras e tem cores. Tem a cara de Pedro Marques e tem as cores do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português. Estes três são a comissão liquidatária da Linha de Cascais.
2. Pedro Marques ou é um homem com um enorme descaramento ou acredita que as pessoas de Lisboa, Oeiras e Cascais que utilizam a Linha são seres desprovidos de inteligência.
Articulando uma narrativa estafada, a tutela dos transportes arrancou o mandato há três anos a desculpar-se com a herança. Foi o “maléfico” governo do PSD e do CDS que não acautelou o investimento na ferrovia. O PS, no cumprimento do seu dever histórico, reporia a justiça e viraria a página da austeridade. Estas coisas têm um nome: farsa.
Com Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, e Paulo Vistas, à época homólogo da Câmara de Oeiras, estive em 2015 nas negociações com o governo do PSD e do CDS. E já nessa altura ficou fechado um investimento total de 259 milhões de euros: 135 milhões vindos do Orçamento do Estado e de fundos europeus para a remodelação da linha, que seria sempre propriedade da REFER; 124 milhões para investimento em novo material circulante, dinheiro do privado que vencesse o concurso de concessão, que estaria obrigado a aumentar os níveis de serviço e a manter ou diminuir os preços de transporte.
Pedro Marques mandou tudo para o lixo. Sem projeto nem ideias para a Linha de Cascais, que continuou a degradar-se a olhos vistos, o ministro limita-se a oferecer aos utilizadores um comboio de propaganda. Em março de 2016, “o governo prepara a renovação da Linha” e os dinheiros chegariam no Plano Juncker. Em outubro, perante as críticas dos autarcas, o ministro jura a pés juntos que “ninguém desistiu da Linha de Cascais”. No mesmo mês, mas em 2017, Pedro Marques acenava com “200 milhões para a ferrovia”, mas um mês depois já não sabe quem paga o investimento. Procuramos no Orçamento do Estado? Zero. No Plano para a Ferrovia? Nada. O embuste começa a revelar-se: o ministro governa, repetitivamente, em modo de anúncios. Promete hoje investimentos de ontem que talvez se concretizem amanhã.
3. Pedro Marques não tem culpa do estado a que a linha chegou. Mas tem culpa de não ter recuperado a infraestrutura enquanto podia e enquanto estavam criadas as condições para o fazer. Divorciou-se dos problemas do povo que supostamente deveria servir. Remeteu-se às certezas do seu gabinete e quebrou o diálogo com os autarcas. Pedro Marques fez uma opção ideológica legítima. Ilegítimo é que essa opção seja negligente. A sorte é ter Azeredo Lopes como colega de governo. Como os utilizadores da Linha de Cascais – e da ferrovia pelo país fora – testemunham diariamente, há muito tempo que Pedro Marques descarrilou.
4. Comunistas e bloquistas sabotaram o acordo de 2015. Em Cascais, Oeiras e Lisboa, bloquistas e comunistas tiveram, nas autárquicas, um resultado conjunto de 61 047 votos. O que é que isto nos diz? Que, somados, os dois partidos têm menos votos do que o número médio de passageiros por dia entre o Cais do Sodré e Cascais (90 mil). Como é que tão poucos fazem tanto mal a tantos?
Para PCP e BE, em matéria de transportes, a questão sempre se reduziu a isto: ou o acordo era revogado ou revogava-se o poder do PS. Com a conivência socialista, PCP e BE foram as raposas a guardar o galinheiro dos transportes públicos. A conclusão é paradoxal: entre uma Linha de Cascais funcional, ainda que coparticipada por poderes públicos e privados, ou uma linha de comboio pública mas morta, como a que temos hoje, os comunistas e bloquistas preferem a segunda.
5. Enquanto Cascais, Oeiras e Lisboa fazem investimentos sem precedentes na mobilidade, o governo sacode as suas responsabilidades. Enquanto as autarquias trabalham em conjunto para encontrar soluções, o governo abre alçapões.
Não desistiremos. Encetarei, com caráter de urgência, contactos com o primeiro-ministro e com os presidentes de câmara de Lisboa e Oeiras, com quem articularei posições.
Perante a falência da Linha de Cascais, não há mais tempo a perder: temos de lançar o BRT (bus rapid transit) em dois eixos: na A5, em faixa dedicada; e no atual espaço canal da linha da CP, que deve ser passado para a gestão das autarquias.
Quando tudo o resto falha, está nas mãos das câmaras lutar por uma mobilidade que seja pré-condição da liberdade e da prosperidade para todos. Comunidades e cidadãos.
Escreve à quarta-feira