Uma visita ao jardim zoológico e a teoria geral do manipulador


O gorila é o manipulador agressivo, que doseia o efeito do medo em troca do respeito e da comida


Mesmo em criança, circos e jardins zoológicos nunca me seduziram. Em adulto, a falta de sedução manteve-se e até se acentuou, provocando-me uma desgostosa impressão, e até repulsa, o cativeiro de animais selvagens para recreio.

Embora compreenda o efeito pedagógico e até o efeito preservador de espécies no caso dos jardins zoológicos, não deixa de ser perturbador, e triste, ver animais enjaulados ou confinados em arremedos de natureza que levam a designação eufemística, e hipócrita, de jardim. Mas lá fui recentemente, por obrigação familiar e ato de amor, na esperança de que as crianças em causa dali retirem o que de bom tais jardins podem dar (sempre alguma coisa de bom pode vir de quase tudo nesta vida). E – tendo tendência para o antropomorfismo, ou por efeito do dia em causa – fui vendo nalguns animais a imagem de tipos humanos de manipuladores que fui conhecendo ao longo da vida. E todos somos alguns deles, e a maior parte de nós é, aqui e ali, ou sempre, uma combinação de muitos, e amiúde também vítima deles. 

O elefante é o manipulador simpático e dadivoso, que faz o que esperamos dele sempre em troca de reconhecimento e recompensa. Cada passo é estudado, cada abanar de orelhas é um projeto, cada toque de sino aparentemente desinteressado não é mais do que a espera por um punhado de erva. O macaco é o manipulador divertido, que cabriola, salta e diverte para conseguir o que quer, sempre com um meio sorriso e um olhar de esguelha malandro, de uma ratice com séculos de aprendizado. O tigre e o leão são os manipuladores majestáticos, que se limitam a exibir a sua grandeza distante e superior e com isso vergam os observadores à vassalagem da entrega do apetecido naco de carne. Algumas aves são manipuladores ruidosos que cantam, grasnam ou gritam, tanto quanto mais esperam alcançar o que querem. O ruído, já se sabe, é capaz de ter um grande efeito, seja por sedução, seja por cansaço – um e outro poderosos efeitos de manipulação desde que o mundo é mundo. O gorila é o manipulador agressivo, que doseia o efeito do medo em troca do respeito e da comida. Tudo nele é ameaçador, a começar pela força bruta, cuja simples ameaça ou sugestão costuma bastar para ter o que quer e o que precisa. Aquele olhar e o imaginado amplexo do seu abraço bastam para a eficiente manipulação. O coala é o manipulador querido; aquela quietude, aquele carinho adivinhado, aquele adormecido desamparo não deixam ninguém indiferente, não deixam ninguém incapaz de se deixar ir para os braços daquela segura ou imaginada ternura. A cobra é o manipulador misterioso e frio, o que parece não pedir nada, a não ser que lhe reconheçam a força da distância, da independência e da frieza, como se fosse uma irresistível esmeralda de um verde perfeito. Todos costumam conseguir os seus intentos, seja pela sedução, seja pela ameaça, seja pela crença, seja também, sempre em maior ou menor dose, pelo jogo com a nossa culpa, o mais poderoso ingrediente para a manipulação.

Escreve quinzenalmente à sexta-feira


Uma visita ao jardim zoológico e a teoria geral do manipulador


O gorila é o manipulador agressivo, que doseia o efeito do medo em troca do respeito e da comida


Mesmo em criança, circos e jardins zoológicos nunca me seduziram. Em adulto, a falta de sedução manteve-se e até se acentuou, provocando-me uma desgostosa impressão, e até repulsa, o cativeiro de animais selvagens para recreio.

Embora compreenda o efeito pedagógico e até o efeito preservador de espécies no caso dos jardins zoológicos, não deixa de ser perturbador, e triste, ver animais enjaulados ou confinados em arremedos de natureza que levam a designação eufemística, e hipócrita, de jardim. Mas lá fui recentemente, por obrigação familiar e ato de amor, na esperança de que as crianças em causa dali retirem o que de bom tais jardins podem dar (sempre alguma coisa de bom pode vir de quase tudo nesta vida). E – tendo tendência para o antropomorfismo, ou por efeito do dia em causa – fui vendo nalguns animais a imagem de tipos humanos de manipuladores que fui conhecendo ao longo da vida. E todos somos alguns deles, e a maior parte de nós é, aqui e ali, ou sempre, uma combinação de muitos, e amiúde também vítima deles. 

O elefante é o manipulador simpático e dadivoso, que faz o que esperamos dele sempre em troca de reconhecimento e recompensa. Cada passo é estudado, cada abanar de orelhas é um projeto, cada toque de sino aparentemente desinteressado não é mais do que a espera por um punhado de erva. O macaco é o manipulador divertido, que cabriola, salta e diverte para conseguir o que quer, sempre com um meio sorriso e um olhar de esguelha malandro, de uma ratice com séculos de aprendizado. O tigre e o leão são os manipuladores majestáticos, que se limitam a exibir a sua grandeza distante e superior e com isso vergam os observadores à vassalagem da entrega do apetecido naco de carne. Algumas aves são manipuladores ruidosos que cantam, grasnam ou gritam, tanto quanto mais esperam alcançar o que querem. O ruído, já se sabe, é capaz de ter um grande efeito, seja por sedução, seja por cansaço – um e outro poderosos efeitos de manipulação desde que o mundo é mundo. O gorila é o manipulador agressivo, que doseia o efeito do medo em troca do respeito e da comida. Tudo nele é ameaçador, a começar pela força bruta, cuja simples ameaça ou sugestão costuma bastar para ter o que quer e o que precisa. Aquele olhar e o imaginado amplexo do seu abraço bastam para a eficiente manipulação. O coala é o manipulador querido; aquela quietude, aquele carinho adivinhado, aquele adormecido desamparo não deixam ninguém indiferente, não deixam ninguém incapaz de se deixar ir para os braços daquela segura ou imaginada ternura. A cobra é o manipulador misterioso e frio, o que parece não pedir nada, a não ser que lhe reconheçam a força da distância, da independência e da frieza, como se fosse uma irresistível esmeralda de um verde perfeito. Todos costumam conseguir os seus intentos, seja pela sedução, seja pela ameaça, seja pela crença, seja também, sempre em maior ou menor dose, pelo jogo com a nossa culpa, o mais poderoso ingrediente para a manipulação.

Escreve quinzenalmente à sexta-feira