Os condenados da terra


Retratam realidades diferentes, mas com uma característica comum: falam de pessoas excluídas da humanidade


“Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor, não houve campanhas de solidariedade,
Não se abriram os lares para nos abrigar,
E não houve braços estendidos fraternamente para nós.”
Ovídio Martins

Na altura em que escrevo este texto, 629 pessoas, refugiados da região da Líbia, continuam fechadas num barco, impedidas de desembarcar em Itália e também em Malta, seguindo agora, em condições precárias, até ao porto de Valência, uma vez que a Espanha se prontificou a recebê-los.

Fui buscar o título desta crónica ao livro de Frantz Fanon, um dos grandes ideólogos do movimento de emancipação africano, publicado em 1961, e os versos da abertura ao poema do cabo-verdiano Ovídio Martins escrito também no início dos anos 60 do século passado. Retratam realidades diferentes, mas com uma característica comum: falam de pessoas excluídas da humanidade. De pessoas que as sociedades tendem a rejeitar, por as considerarem supérfluas.
 Duas décadas antes, Hannah Arendt, polémica filósofa política alemã, de origem judia, que sofreu as agruras da sua origem no decorrer da ii Guerra Mundial, analisou a questão dos refugiados daquele conflito, que considerou serem “os banidos da História”.

Ela foi também uma refugiada, tendo fugido da Alemanha para França e deste país para os Estados Unidos.

Num texto publicado em 1943, com o título “Nós, os refugiados”, afirmava:

 “Perdemos a nossa casa, o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos a nossa ocupação, o que significa a confiança de que tínhamos algum uso neste mundo. Perdemos a nossa língua, o que significa a naturalidade das reações, a simplicidade dos gestos, a expressão impassível dos sentimentos.” 

A filósofa alertou para a circunstância de as crises de refugiados constituírem campo fértil para teses totalitárias, fertilizadas pelo racismo e xenofobismo, a coberto também de uma sensação de insegurança, muitas vezes instilada.

Lembrou ainda, por último, que as teorias e as soluções totalitárias persistem muito para além da queda desses regimes. Constituem uma espécie de vírus incubado no seio da sociedade e que, a qualquer momento, se pode desenvolver e propagar.

Vale a pena estarmos atentos e, ao mesmo tempo, não esquecermos alguns acontecimentos trágicos da nossa história recente.

Jornalista


Os condenados da terra


Retratam realidades diferentes, mas com uma característica comum: falam de pessoas excluídas da humanidade


“Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor, não houve campanhas de solidariedade,
Não se abriram os lares para nos abrigar,
E não houve braços estendidos fraternamente para nós.”
Ovídio Martins

Na altura em que escrevo este texto, 629 pessoas, refugiados da região da Líbia, continuam fechadas num barco, impedidas de desembarcar em Itália e também em Malta, seguindo agora, em condições precárias, até ao porto de Valência, uma vez que a Espanha se prontificou a recebê-los.

Fui buscar o título desta crónica ao livro de Frantz Fanon, um dos grandes ideólogos do movimento de emancipação africano, publicado em 1961, e os versos da abertura ao poema do cabo-verdiano Ovídio Martins escrito também no início dos anos 60 do século passado. Retratam realidades diferentes, mas com uma característica comum: falam de pessoas excluídas da humanidade. De pessoas que as sociedades tendem a rejeitar, por as considerarem supérfluas.
 Duas décadas antes, Hannah Arendt, polémica filósofa política alemã, de origem judia, que sofreu as agruras da sua origem no decorrer da ii Guerra Mundial, analisou a questão dos refugiados daquele conflito, que considerou serem “os banidos da História”.

Ela foi também uma refugiada, tendo fugido da Alemanha para França e deste país para os Estados Unidos.

Num texto publicado em 1943, com o título “Nós, os refugiados”, afirmava:

 “Perdemos a nossa casa, o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos a nossa ocupação, o que significa a confiança de que tínhamos algum uso neste mundo. Perdemos a nossa língua, o que significa a naturalidade das reações, a simplicidade dos gestos, a expressão impassível dos sentimentos.” 

A filósofa alertou para a circunstância de as crises de refugiados constituírem campo fértil para teses totalitárias, fertilizadas pelo racismo e xenofobismo, a coberto também de uma sensação de insegurança, muitas vezes instilada.

Lembrou ainda, por último, que as teorias e as soluções totalitárias persistem muito para além da queda desses regimes. Constituem uma espécie de vírus incubado no seio da sociedade e que, a qualquer momento, se pode desenvolver e propagar.

Vale a pena estarmos atentos e, ao mesmo tempo, não esquecermos alguns acontecimentos trágicos da nossa história recente.

Jornalista