Fogo e fúria


Quando Trump anunciou no seu discurso de tomada de posse “America first”, pouca gente o levou a sério. Mas a verdade é que foi isso mesmo que sucedeu, com uma destruição total dos acordos multilaterais em benefício do isolacionismo, que ele julga corresponder ao interesse dos americanos


O estilo de fogo e fúria que caracteriza a presidência Trump fez-se mais uma vez sentir na reunião do G7. Desde a sua criação que o G7 visa permitir aos líderes das sete maiores economias mundiais reunirem-se e discutirem as principais questões políticas e económicas mundiais num ambiente informal e descontraído. E, na verdade, tirando as tradicionais manifestações dos movimentos antiglobalização, o G7 tinha possibilitado reuniões produtivas entre os líderes das principais potências económicas mundiais. A certa altura chegou mesmo a incluir a Rússia, o que foi revertido como sanção pela anexação por esta da Crimeia.

O ambiente do G7 mudou, porém, com a presidência Trump, que foi eleito com a promessa de uma política económica protecionista que rejeita as organizações multilaterais, apenas aceitando acordos bilaterais em que os EUA possam impor a sua força. Por isso, Trump rejeita o NAFTA e não hesitou em declarar uma guerra comercial contra a Europa e o Canadá, começando por taxar as importações de aço e alumínio, mas já declarou que vai chegar aos carros alemães, o que seria fatal para a economia do país que é o principal motor da Europa. É verdade que esta reagiu com a taxação de produtos americanos, como o bourbon, jeans e motos, mas já se percebeu que se trata de uma resposta muito fraca.

Por isso, a reunião do G7 tinha tudo para correr mal. Trump inicia-a com uma proposta de voltar a admitir a Rússia, proposta que apenas tem o apoio do novo governo da Itália, sendo prontamente rejeitada pela chanceler Merkel. Esta chega ao ponto de publicar uma fotografia onde parece estar a desafiar Trump, mas que demonstra igualmente a forma displicente como Trump trata os líderes europeus. No Twitter, Trump proclama que não faz sentido os EUA gastarem 4% do PIB com a NATO enquanto a Alemanha não chega a 1%, que os excedentes europeus têm de ser gastos com a defesa e que não voltará a deixar amigos ou inimigos ganharem vantagem no comércio em relação aos EUA. No fim, como represália pelas declarações do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, que considerou insultuosas as taxas americanas, Trump chama-lhe “desonesto e fraco” e retira o apoio ao comunicado final da cimeira, onde existia um compromisso tímido de tentar reduzir as barreiras alfandegárias. Assim se vê como Trump tem força suficiente para que um simples tweet destrua o resultado de uma cimeira.

Quando Trump anunciou no seu discurso de tomada de posse “America first”, pouca gente o levou a sério. Mas a verdade é que foi isso mesmo que sucedeu, com uma destruição total dos acordos multilaterais em benefício do isolacionismo, que ele julga corresponder ao interesse dos americanos. Foi assim que o Acordo de Paris foi denunciado, com Trump a dizer que estava mais preocupado com os habitantes de Pittsburgh que com os de Paris. E, agora, Trump declara uma guerra comercial à Europa e ao Canadá com o fim de beneficiar os trabalhadores americanos, que perderam os seus empregos com a globalização. Se a Europa julgava poder continuar a abrigar-se debaixo do guarda-chuva americano, que o esqueça. A partir de hoje está sozinha no mundo.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990