Só andamos bem distraídos


Já vos escrevi muito sobre silêncio. De quão gosto dele e de como não o sei respeitar, também. Fugi do silêncio toda a minha vida por achar que não o sabia suportar e, afinal, só tinha de o entender, acarinhar, desejar. Mas ainda não me é fácil. Ainda não sei estar sempre em silêncio, ainda…


Já vos escrevi muito sobre silêncio. De quão gosto dele e de como não o sei respeitar, também. Fugi do silêncio toda a minha vida por achar que não o sabia suportar e, afinal, só tinha de o entender, acarinhar, desejar. Mas ainda não me é fácil. Ainda não sei estar sempre em silêncio, ainda precisam de me mandar calar, ainda não sei sempre quando é o silêncio imperador. Fico triste quando não sei ser silêncio. Quando as palavras engolem o meu ar e saem, como disparos, sem controlo. Quando o silêncio é demasiado perturbador, talvez tenhamos de nos perguntar: o que nos inquieta? No que não queremos pensar? Porque é o vazio aterrador e o barulho aconchegante? O que é que não conseguimos ouvir?

Talvez os nossos hábitos não nos ajudem. Chegamos a casa, ligamos a televisão, telefonamos a alguém “para matar o tempo”, saltamos para o sofá e mexemos no telefone até adormecermos.

Não há pausas, não queremos pausas, não sabemos suster.

Não é assim desde sempre, mas parece. Só andamos bem se estivermos distraídos. Somos como aquelas crianças que não conseguem estar paradas dois segundos perante a máquina fotográfica e precisam que o adulto, por detrás da objetiva, acene e ria e bata palminhas para que o miúdo olhe em frente, concentrado, durante uns milésimos de segundo. Precisamos que nos estimulem, que chamem por nós, que façam barulho, que nos mostrem isto tudo a funcionar! “Olha para aqui! Estou aqui, aqui! Ri-te para este centro!” – só conseguimos estar atentos se estalarem os dedos, se fizerem ruído, se nos chamarem pelo nome.

Precisamos que nos estimulem, que nos acordem, porque andamos adormecidos.

Preocupa-me o excesso de distração. O enfadamento fácil que se instala se não estivermos a fazer alguma coisa. Não percebemos que saber estar em sossego, em calma, em silêncio diz mais sobre a nossa força interior, o nosso caráter, do que se falarmos alto, numa aparente excitação. Fico verdadeiramente admirada (e com muita pena por eu não ser essa pessoa) quando passo por alguém que está parado a olhar para o mar (sem mais nada, nem ninguém) e, quando volto do meu passeio, essa pessoa ainda ali está, tanto tempo depois. Ainda ali está, em sossego, sem companhia, porque não precisa de conversar, porque não há nada a esconder.

Deveríamos aprender a estar sozinhos, e se a solidão aparecer, aliás, quando aparecer, já não temos de fugir dela com pavor, nem de tomar nenhum comprimido para a esconder – pedimos que se sente ao nosso lado, a olhar em frente, e sorria connosco. Se soubermos estar em silêncio, quem sabe até possamos gostar de alguma solidão e talvez até haja alguma coisa a aprender com esse encontro.

 

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