Ensaio sobre a exigente atividade de político

Ensaio sobre a exigente atividade de político


A atividade política é de tal forma importante e consequente na vida de todos que o dever que carrega é, em tese, considerado o mais nobre


Estou absolutamente convicto de que o desenvolvimento de uma nação está intrinsecamente ligado à qualidade do aparelho de Estado e da respetiva governação; assim sendo, e por maioria de razão, é a qualidade dos seus políticos que determina, em grande medida, a qualidade da democracia e o consequente desenvolvimento social e económico. O livro “Porque Falham as Nações” constitui uma base de investigação socioeconómica suficientemente robusta na demonstração efetiva dessa tese.

A atividade política é de tal forma importante e consequente na vida de todos que o dever que carrega é, em tese, considerado o mais nobre. Por isso se esperam dos políticos níveis de rigor e exigência comportamental com critérios e amplitudes mais rígidas que as exigíveis aos outros cidadãos. De algum modo, e por razões óbvias, se esperam dos juízes, em áreas muito específicas do quotidiano, normas de conduta e exigência comportamental muito idênticas.

Espera-se dos políticos visão, conhecimento e capacidade de trabalho em prol da comunidade e do território. É deles que o sonho, a confiança, o exemplo de trabalho, entrega e rigor devem partir. Espera-se que sirvam e não que se sirvam, cabendo-lhes o padrão na forma ética e frugal como gerem a sua posição relativamente a interesses e benefícios.

Espera-se que sejam incorruptíveis e, consequentemente, imunes a influências ou benefícios materiais ou de estatuto. É a sua independência relativamente a domínios que não sejam o estrito cumprimento da defesa dos interesses do povo e da nação que assegura a tão ambicionada qualidade da democracia e governação e, consequentemente, do desenvolvimento e coesão económica e social. Importa sublinhar que não há outro princípio de liderança que funcione que não assente na liderança pelo exemplo.

No nosso mundo assistimos ao desvirtuar desses fundamentos de forma corrente, amplamente aceite e até disputada entre pares.

É recorrente assistirmos (utilizo apenas como exemplo ilustrativo) à proximidade entre clubes de futebol e políticos. A forma amplamente visível como presidentes e dirigentes de clubes e políticos convivem e intervêm nos respetivos campos fragiliza a independência absoluta dos políticos relativamente aos interesses corporativos desses mesmos clubes.

Os políticos comentadores são tantos e provenientes de todas as amplitudes políticas que enumerar um caso ou dois seria tão ridículo para os visados como para quem o faça. Os dirigentes que saltam dos clubes para os partidos e dos partidos para os clubes constituem uma longa lista. O número daqueles que estão nos dois lados ao mesmo tempo é bastante significativo. É aceitável que esse convívio e proximidade exista? Considero um erro demonstrativo da falta de rigor ético que o nosso sistema político carrega. Os políticos, quando aceitam beneficiar de benesses corpóreas e incorpóreas junto de outras fontes de poder económico e reputacional, ficam consciente ou inconscientemente reféns e perdem efetivamente a liberdade e o poder a que estão obrigados pelos princípios éticos e representacionais. No que aos princípios éticos diz respeito, a fronteira entre compadrio e corrupção é muito ténue.

A gravidade do problema no sistema político português é bastante mais complexa que a anteriormente evidenciada no que aos clubes de futebol e política diz respeito. Essa tipologia de comportamento está presente na relação que os políticos foram, ao longo de décadas, estabelecendo com gestores, banqueiros, jornalistas, procuradores e juízes.

O nosso sistema vai com alguma regularidade mostrando casos e as respetivas consequências nefastas deste tipo de comportamentos amplamente conhecidos, reconhecidos e até aceites, para a democracia, para a boa gestão da causa e fundos públicos e para a justiça.

O nosso sistema está efetivamente cheio de favores, amiguismos e interdependências.

É aos políticos, por serem isso mesmo – políticos –, que mais se exige. Não nos esqueçamos que é ao povo que fazem promessas, que é ao povo que imploram pelo voto e que é o povo que, em tese, deveriam representar.

Uma democracia de qualidade exige novos modelos eleitorais, mas acima de tudo exige novos modelos de comportamento, ética e transparência no modo como os políticos atuam.

Há muito para desenvolver e evoluir na democracia portuguesa.

 

Ativista político

Gestor e professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”