Os miúdos são maus?


Até o ser mais hediondo fez bolinhas de cuspo em bebé e escondeu-se atrás do cortinado. Ninguém nasceu de faca na mão e a gritar palavras feias, ninguém nasceu a odiar porque ninguém nasce a conhecer o mundo


Se há afirmação que ouvimos e dizemos por costume e já sem grande arrelia é que os miúdos de hoje em dia são maus. Confirmamos o seu malévolo caráter, concordamos que as suas palavras e ações magoam e dizemos, com o ar arrastado de quem já se habituou a isso, que os jovens podem ser muito cruéis, ao ponto de outros quererem tirar a própria vida para acabar com o sofrimento da inadaptação.

Acho que temos de parar de nos habituar ao que está errado e também de debitar verdades absolutas e generalistas porque, se há jovens que nos obrigam a benzer três vezes ao dia, ainda existem outros que nos ensinam mais do que esperávamos. Às vezes apercebemo-nos com o decorrer da vida que esses “maus” aprenderam como ninguém que a maldade cuspida é só um reflexo do próprio medo. Às vezes, esses “maus” não são apenas maus, mas putos assustados que atacam para não serem atacados. Às vezes são esses “maus” que nos ensinam que ninguém é só uma coisa, só uma faceta, só um lado, só uma história.

Até o ser mais hediondo fez bolinhas de cuspo em bebé e escondeu-se atrás do cortinado. Ninguém nasceu de faca na mão e a gritar palavras feias, ninguém nasceu a odiar porque ninguém nasce a conhecer o mundo. Mas, depois, as escolhas, a educação e todas as outras condicionantes criam as ervas daninhas que podem destruir a nossa infância: quem não conhece os profissionais do bullying (podem não saber escrever o nome, mas sabem de cor todas as palavras de ódio contra quem inferiorizam), que sabem como minar a autoestima daquela miúda mais envergonhada ou do rapaz mais sensível? Todos nós.

A verdade é que quando estive doente, foram os miúdos, foram os miúdos como eu que de certa forma me salvaram. Foram as gargalhadas, os abraços e as piadas deles, foi a juventude e a inocência que salvaram a minha essência feliz. Claro que os idiotas continuavam a rondar o recinto escolar – não me livrei dos olhares maldosos, dos comentários inapropriados, dos cochichos nos corredores. Mas o amor dos meus era superior ao medo do “contágio” dos ignorantes e não haveria nada que pudesse roubar-me a felicidade por estar viva. Hoje, os “maus” com quem também me cruzei na minha adolescência cresceram, tiveram os seus cancros emocionais, as perdas próprias do caminho, a aprendizagem obrigatória do crescimento, e acredito que, se voltassem atrás, não fariam tudo igual. Talvez se alguém lhes tivesse mostrado que faz parte ter medo e que não é preciso amedrontar ninguém para ser aceite, talvez, talvez alguns “maus” tivessem sido apenas parvos.

Por isso é que eu e o Tiago (ator, comunicador e amor da minha vida) decidimos levar as nossas histórias de superação às escolas com a Palestra Motivacional “Se Podes Sonhar, Podes Concretizar”. O Tiago interpretou um personagem, o Crómio, que sofria de bullying e preconceito. Este, apesar das contrariedades, nunca deixou de ser quem era, de fazer o que gostava e de perseguir os seus sonhos. Conseguiu ser integrado sem mudar a sua personalidade. Muitos pais, na altura dos “Morangos”, fizeram questão de agradecer ao Tiago porque os seus filhos, que costumavam ser postos de parte devido à sua personalidade singular, começaram a ser incluídos no grupo porque, se o Crómio era popular, também eles podiam ser. Em personagem e na vida real, ambos sentimos esse peso de sermos diferentes, mas é exatamente dessas particularidades que hoje mais gostamos em nós e preservamos.

Hoje deixo-vos com este convite: enviem-nos um email para: sepodessonharpodesconcretizar@gmail.com e nós aparecemos na vossa escola, com os sonhos na mochila, as palavras encorajadoras na boca e o exemplo de que, apesar das adversidades, gostamos de quem somos e não mudaríamos nada na nossa vida – apenas este mau tempo que já enerva.

 

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