Um Brexit complicado


O Reino Unido, com o Brexit, criou um sarilho de consequências imprevisíveis do qual se arrisca a sair como o mais prejudicado


Nas vésperas do referendo para o Brexit, vários jornais no Reino Unido publicaram notícias de que a rainha Isabel II, em conversas privadas, se teria mostrado favorável ao mesmo. Constou inclusivamente que num jantar teria pedido aos seus convidados que lhe dessem três boas razões para o Reino Unido permanecer na União Europeia. Parece que nenhum dos convidados foi capaz de o fazer mas, hoje, essas três boas razões estão à vista de todos: Irlanda do Norte, Escócia e Gibraltar. E as dificuldades que estão a surgir em torno dessas questões tornam cada vez mais complicada a situação do governo de Theresa May.

O ponto mais complexo das negociações é seguramente o da Irlanda do Norte, em que é dificilmente concebível a reinstalação de uma fronteira física com a República da Irlanda, que seria totalmente contrária ao espírito do acordo de paz de Sexta-Feira Santa de 1998. Para evitar esse retrocesso, os negociadores comunitários propuseram que a Irlanda do Norte permanecesse no mercado único, mas isso faria deslocar a fronteira económica para o mar entre a Irlanda do Norte e a Grã-Bretanha. Theresa May percebeu que isso seria um verdadeiro suicídio político, até porque a Escócia reclamaria imediatamente tratamento semelhante, o que, a ser aceite, na prática limitaria o Brexit à Inglaterra, curiosamente a única parte do Reino Unido que votou a favor do mesmo. A integridade constitucional do Reino Unido ficaria, assim, seriamente ameaçada.

O caso da Escócia é também extremamente complexo, sabendo-se que os nacionalistas escoceses há muito que têm vindo a ganhar as eleições legislativas e só perderam o referendo à independência porque foram ameaçados com uma eventual saída da União Europeia. Efectivamente, em face dos tratados, se a Escócia se tornasse independente teria de se candidatar a aderir à União Europeia, e essa adesão só poderia ser aceite com o acordo unânime dos outros Estados-membros. Ora, sabe-se que a Espanha vetaria sempre a adesão da Escócia, por não querer abrir um precedente em relação à Catalunha. Foi a perspectiva de saída da União Europeia que ditou o não à independência da Escócia, pelo que muitos escoceses se sentirão hoje enganados ao saber que irão sair da União Europeia por decisão dos ingleses. É, por isso, muito provável que a questão da independência da Escócia (e de uma sua futura adesão à UE) volte a estar sobre a mesa.

Resta, finalmente, Gibraltar, território reivindicado pela Espanha, a quem a União Europeia decidiu atribuir direito de veto sobre a aplicação de qualquer acordo, incluindo um esquema de transição. É manifesto que os gibraltinos ficarão, assim, extremamente prejudicados com o Brexit, quando votaram esmagadoramente a favor da permanência na União.

O problema dos referendos é que exigem a resposta a questões colocadas de forma simples cuja aplicação depois se torna extremamente complexa. O Reino Unido, com o Brexit, criou um sarilho de consequências imprevisíveis do qual se arrisca a sair como o mais prejudicado.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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