Fogo amigo


Rui Rio até pode ter feito dois magníficos discursos no congresso, mas foi visível que se encontra completamente cercado no partido e vai ser muito complicado conseguir romper esse cerco. O primeiro cerco resultou do discurso inicial de Passos Coelho, que foi tudo menos um discurso de despedida


Pretendendo fazer humor, mas com um apurado sentido da realidade, o “Inimigo Público” da passada semana referia que o congresso do PSD começava às 21h e às 21h01 acabava o estado de graça de Rui Rio. E, de facto, assim aconteceu. Rui Rio até pode ter feito dois magníficos discursos no congresso, mas foi visível que se encontra completamente cercado no partido e vai ser muito complicado conseguir romper esse cerco.

O primeiro cerco resultou do discurso inicial de Passos Coelho, que foi tudo menos um discurso de despedida, mas antes um reiterar das posições que sempre defendeu e que conduziram o partido ao estado em que se encontra. Passos Coelho pouco falou de Rui Rio, preferindo até elogiar o resultado de Santana Lopes, e concentrou-se num ataque ao PS, como se quisesse continuar a liderar a oposição. O seu discurso faz pensar que Passos pretendeu com a sua saída da liderança atingir apenas um novo grau de exílio, passando de primeiro-ministro no exílio a líder da oposição no exílio. E a forma entusiástica como o seu discurso foi recebido pelo congresso faz crer que não lhe será difícil assumir esse papel, como uma sombra a pairar sobre Rui Rio.

Mas, se Passos Coelho não enveredar por esse caminho, os seus apoiantes já se mobilizaram para o fazer. Miguel Pinto Luz escreveu rapidamente uma carta aberta a estabelecer linhas vermelhas a Rio. Carlos Abreu Amorim disse que Rio vai ter oposição e não será a fingir. E Luís Montenegro apareceu mesmo no congresso a ameaçar candidatar-se à liderança contra Rio num futuro próximo. Merece elogio o facto de ter em consequência anunciado que deixaria o lugar de deputado, coisa que a maioria dos adversários de Rio não vai fazer. Perante este cerco, Rio bem tentou projectar o partido para o exterior e concentrar-se no longo prazo, falando até das autárquicas de 2021, mas é manifesto que muito antes disso vai ter de voltar ao combate interno.

Um bom exemplo do cerco a Rio resultou da reacção do congresso à escolha de Elina Fraga, que Paula Teixeira da Cruz se apressou a qualificar como um acto de traição por parte de Rio. Paula Teixeira da Cruz foi a responsável pelo colapso total do sector da justiça em Portugal, mas tanto ela como muitos dos seus apoiantes acham uma traição ao partido que a sua nova direcção não se reveja nesta pesada herança. Assim, a mudança de ciclo torna-se muito difícil.

Sentindo esse cerco, Rui Rio procurou dar uma resposta institucional, fazendo uma lista de unidade com Santana Lopes. Esse foi o seu maior erro. Santana Lopes pode ter sido o seu adversário nas directas, mas não representa a verdadeira oposição a Rio. Essa reside nos seguidores de Passos Coelho, que só apoiaram Santana Lopes porque mais ninguém se dispôs a avançar nesse momento. E, assim, Santana Lopes foi elevado sem qualquer justificação a figura central do congresso, onde teve uma posição ambígua, tanto criticando os apoiantes de Rio pela sua falta de solidariedade a Passos Coelho como pedindo votos para a lista de Rio à comissão política. E, assim, nem a lista de unidade teve grande sucesso, nem a lista para a comissão política conseguiu escapar a um impressionante número de votos brancos e nulos.

Apesar de tudo o que se passou, tanto Passos Coelho como os seus seguidores assumiram que passariam a ser simples soldados durante a liderança de Rio. Este pode, assim, ficar descansado. Quando os ouvir disparar, já sabe que é fogo amigo.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990