José Cid: “Estou com muito mais voz que o Bono Vox”

José Cid: “Estou com muito mais voz que o Bono Vox”


Bono Vox, Madonna e Tony Carreira não foram admitidos no novo álbum mas não passam ao lado de uma entrevista à José Cid


José Cid chega à redação e o bater dos carateres é reduzido a silêncio. Não há quem não o reconheça e até os jornalistas que, pressionados pela hora do fecho do jornal, não têm ordem de soltura da secretária, espreitam pelo canto do olho. Autografam-se álbuns, trauteiam-se canções para verificar o deslumbramento e tiram-se selfies. Cid não esconde que adora. Marselfie do rock português? Nada disso. Mãe do rock português, com um bebé nos braços acabado de nascer. O “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid” é uma homenagem a amigos, ícones e herdeiros. De Marilyn Monroe aos Beatles, de Tozé Brito a Chico Buarque, de Natália Correia aos Capitão Fausto, não há dez mil anos de separação mas são como planetas tão distantes como Vénus e Marte. 

O que o fez recriar à sua maneira o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”? 

Os 50 anos do álbum e d’“A Lenda D’El Rei D. Sebastião”, do Quarteto 1111, que ocupa na capa o lugar dos Beatles.

É um álbum conceptual?

Não, o “10.000 anos depois entre Vénus e Marte” era. Este pode chamar-se até um arco-íris. São canções muito diversificadas, do pop até uma que é rock, dedicada aos Capitão Fausto. No primeiro álbum deles havia uma canção chamada “José Cid”. Eu respondo-lhes com “A Banda do Capitão Fausto”. E porquê? Porque são amigos da banda do Capitão Cid e encontram-se neste álbum. Eu faço–os passar por cenários psicadélicos na clareira de uma floresta com ninfas, fadas e duendes, onde se tocam cítaras e flautas. Eles estão a animar aquela gente toda. São a banda residente da festa. O final [da canção] é numa lagoa para onde fogem as ninfas. Nuas, despidas de preconceitos. É aí que os Capitão Fausto entram em cena, quando vai tudo tomar banho para a margem. 

Os Capitão Fausto homenagearam-no através de uma canção. Os Capitães da Areia convidaram-no para “A Bordo do Capítulo 70”. O entusiasmo de gerações nascentes fá-lo sentir renovado?

Não, porque como sou aquariano estou sempre a pensar no futuro. (risos) Já estou com outras fisgadas. Não penses que isto fica por aqui! Já estou a preparar um álbum completamente diferente deste – o “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid” é pop e de baladas. O próximo vai chamar-se “Fados, Fandangos e Malhões”. Vai ter fados, fandangos – com gravações de pés de fandangueiros – e malhões com cavaquinhos. Tudo com atitude world music, mas do lado pop. Passei ali pelo corredor e vi uma declaração do Rui Veloso [ao i] em que ele dizia que não tem pachorra para ir ver os U2. Tudo bem, é uma opinião que respeito, mas já comprei bilhete e estarei na primeira fila se puder. Nesse álbum vou gravar uma versão em inglês dos U2. Que é para os portugueses perceberem que estou com muito mais voz que o Bono Vox. Mas de caras! Mesmo aos 75 anos. O tema que vou gravar é o [em fado] “Wheeeeeeereeeee The Streets Have Nooo Nameeeeeeeeeee. Iaraaraaiiii, iararaiiiiiiiii”. A Madonna vai perceber que, por estar em Portugal, pode gravar um fado, mas como ela só canta em playback vai ser complicado. (gargalhada) Agora a sério, o fado é como os blues. São expressões mundiais e poéticas, tão genuínas das pessoas que os cantam – do Bronx ou dos escravos do Mississípi – como os fadistas do Bairro Alto. É que ainda aí gente cheia de voz, cantores extraordinários, que não são fadistas. Deviam cantar outras coisas. Eu, que fui amigo da Hermínia Silva e da Maria Teresa de Noronha, que sempre adorei a Amália Rodrigues – apesar de ela não gostar muito de mim. Depois percebi porquê. Já vendia muito mais discos na Valentim de Carvalho do que ela. Durante anos e anos, fui o artista número um. Só que não era o grande artista. Estava no princípio da minha vida. A Hermínia Silva (e o Quarteto 1111) são os únicos artistas portugueses na capa do “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid”. Canto fado desde sempre – muito fado tradicional – e sou genuinamente fadista, o que fez com que a Amália me hostilizasse. Fiquei muito triste e sentido, mas ela também já estava velhinha e eu tinha acabado de gravar grandes êxitos: o “A Cabana Junto à Praia” e o “addio adieu”, e ela, coitadita, vinha de gravar aquela canção em que aparece o astronauta [“O Senhor Extraterrestre”] que é meia medonha! Não gosto menos dela por isso, mas disse-lhe: “Você não gosta de me ouvir cantar o fado, mas eu também não gosto de a ouvir essa coisa do astronauta. Na sua carreira é uma espécie de “Como o Macaco Gosta de Banana” na minha e de “Mula da Cooperativa” na carreira do Max. 

Essas canções são como um ponto negro na pele? 

Às vezes. Ainda anteontem fui fazer uma conferência com música à Figueira da Foz. Cantei Lorca, cantei jazz e cantei coisas minhas enquanto falava com as pessoas. De repente, uma menina pede-me as “Favas com Chouriço”. E agora, como é que depois de cantar um poema do Lorca consigo conciliar isto? Contei a história do meu amigo que vive entre Chaves e Bragança e casou com uma brasileira giraça que afinal é um travesti operado. (gargalhada) Só na brincadeira e no gozo é que posso cantar as “Favas com Chouriço”. Estou à vontade para dizer isto porque nos próximos 30 anos não vou cantar a Trás-os-Montes, mas o meu planeta também não é o das pessoas rancorosas e eternamente sem sentido de humor. Mas se são assim, aceito. Posso ir visitar o meu amigo e os meus amigos em Trás–os-Montes. O cantar é outra coisa. Eu também não quero. 

Visitar o travesti?

O travesti não, porque da única vez que lá fui atirou-se a mim. Sou muito mais giraço do que o velhinho com quem casou. É melhor assim. (gargalhada) 

Sente que foi sujeito a ostracismo quando nos anos 80 e 90 esteve menos exposto?

Pois não, não estive, mas tenho muitas saudades desse tempo. Fiz aquilo que queria. Nos anos 80, ainda fui muito popular. Gravei o “Cai Neve em Nova Iorque” e o meu único álbum de fados, que vendeu 60 mil discos quando o fado não se vendia. Nos anos 90 era o momento de aparecerem novos valores. Então gravei vários álbuns que gostaria de ter feito antes: o “Camões, As Descobertas… E Nós” com o Pedro Caldeira Cabral, um enorme guitarrista, o Carlos do Carmo, o Jorge Palma, a Rita Guerra e o Paulo Bragança. Há uns dias surpreendi-me com esse álbum sobre o quotidiano e a viagem de Camões pelo planeta. Estava na prateleira, mas é incrível. Depois gravei aquele célebre álbum em que me despi de preconceito e pus-me seminu na capa pela única razão de protestar contra as playlists que passou a haver no mundo inteiro. Percebi que, a partir dali, a música se iria modificar muito porque os radialistas já não tinham direito a tocar a música de que gostavam. Depois gravei um álbum jazzístico que adoro – eu canto jazz desde sempre – chamado “Cais do Sodré”. E gravei um álbum a defender a causa dos direitos humanos em Timor em que entraram a Sara Tavares, o Miguel Ângelo, o Olavo Bilac… Nos anos 90 desapareci, mas premeditadamente. Os álbuns estão lá e são muito bons. Com o advento da internet, as novas gerações descobriram-me. Umas vezes pressionadas pelos pais, outras por elas próprias. Depois do concerto do Cabaret Maxime – que vai ser reeditado no Lisboa Ao Vivo – começo a fazer as Queimas. Perceberam que não dava concertos chatos. A malta divertia-se, ria-se e, se fosse preciso, ainda vinha para o palco. Essa mensagem começou a difundir–se, o que fez com que as novas gerações me chamassem “tio Cid”. Aliás, na primeira canção deste álbum eu digo: “Enviem-me já um mail/ josecid.com/ que eu ofereço um interail/ para viajarem para outros países distantes/ onde há outros corações solitários à vossa espera”. Já gravei o vídeo do “Botequim” no Botequim da Graça, em homenagem à Natália Correia, e “The Fab Four” no meu estúdio, com muitos cartazes dos Beatles. A “Se o Chico Buarque me Cantasse Um Fado” já está no YouTube. 

A vida está toda para a frente?

Estou muito contente assim. Gosto muito deste álbum, estou a preparar o próximo e um outro de rock sinfónico que está prometido há imenso tempo. Chama-se “Vozes do Além” e, para quem é colecionador de rock sinfónico, pode esperar pelo disco em 2019. 

Este ano vai voltar ao Festival da Canção.

Sim, tenho de dar os parabéns à Luísa Sobral por ter escrito uma canção genial e por ter tido a boa ideia de convidar o mano. O Salvador Sobral tinha gravado um álbum “simpático” em inglês [“Excuse Me”] -. embora ele precise de gravar mais em português e de se aproximar da grande poesia. Não quer dizer que não houvesse outras antes, mas esta é uma das grandes baladas já escritas em Portugal. A “Amélia dos Olhos Doces”, do Carlos Mendes, é outra. O “Cai Neve em Nova Iorque”, também. O “E Depois do Adeus”, do Paulo [de Carvalho], também. “A Canção de Madrugar” (de Ary dos Santos, interpretada por Hugo Maia Loureiro), também. São canções de altíssimo nível que se vão cantar para sempre. Vou com o meu sobrinho Gonçalo Tavares ao festival. Escrevi uma canção chamada “O Som da Guitarra é Alma de um Povo”. Primeiro escrevi o poema, depois foi muito fácil fazer a música. Se tivéssemos de escolher um instrumento que defina a alma portuguesa, é a guitarra portuguesa. Vamos ser dois guitarras, um violoncelista e um contrabaixista, e o meu sobrinho no piano e voz. Eu vou tocar acordeão e cantar. Quando acabei de escrever a canção, senti-me cativo dela. Tinha de ser eu a cantá-la, fosse no festival, debaixo da ponte, a pedir esmola, para o Papa ou para a rainha de Inglaterra. O [Diogo] Piçarra disse o mesmo [da respetiva canção candidata ao Festival da Canção]. Há de haver outras grandes canções porque há gente nova a escrever muito bem. 

Voltou a olhar para o festival como no passado?

A Luísa e o Salvador devolveram o festival a um patamar assombroso. Nunca nenhum país na Eurovisão teve uma votação tão intensa e um primeiro lugar tão unânime. Se houvesse uma Eurovisão das Eurovisões, seria a Luísa e o Salvador Sobral outra vez a ganhar. Adorei, fui fã desde a primeira hora. Quando o Salvador Sobral começou a cantar, disse à minha mulher: “Já está, é este que vai ganhar.” Ele ganhou um pouco atrapalhado porque o público que vota não o escolheu em primeiro lugar. Foi o júri da televisão que teve o bom senso de o eleger. Quando ele chegou à Eurovisão, disse outra vez à minha mulher que íamos ganhar. “‘Tás maluco, não vamos nada ganhar.” “Vamos sim, este miúdo canta que se farta e é uma belíssima canção, despojada de lantejoulas, saltaricos e de grupos de baile.” É a música pela música. Vem de uma linha de João Gilberto, Tom Jobim, Sarah Vaughan, Jacques Brel… é clássica neomoderna. É uma canção que parecia que já estava no coração das pessoas ainda antes de a conhecerem. Uma vez que está recuperada a dignidade do Festival da Canção, vou voltar ao festival 25 anos depois de ter cantado com o Paulo Bragança uma grande canção: “O Poeta, o Pintor e o Músico”. Ficámos em segundo, atrás da Anabela [a canção vencedora foi “Cidade Até Ser Dia”]. Depois disso, afastei-me. O formato televisivo da Eurovisão não me agradava. 

Revê-se nas gerações representadas neste renovado Festival da Canção?

Sim, adoro a Capicua. Acho-a fantástica. Descobri um miúdo na seleção [do festival] que canta fado que se farta. Chama-se Pedro Madureira. Quis produzi-lo, mas virou-me as costas. Este miúdo apoiado pelo Salvador Sobral, o Janeiro, canta muito bem. O Diogo Piçarra canta muito bem e tem uma superprodução. Poeticamente, não me diz muito, mas pode melhorar. Quando se canta um grande poema, a música é outra. 

Surpreende-o o entusiasmo pelo “10.000 anos depois entre Vénus e Marte”?

Sem desprimor de outros grandes álbuns de rock que se fizeram em Portugal, é outro patamar, desculpem. No ano passado, fomos convidados-surpresa do [festival] Bons Sons e, só com line check (teste de som só para certificar que os instrumentos têm sinal), tocámos aquele álbum de forma perfeita. No final recebemos uma ovação incrível. Gostava de voltar a Cem Soldos como gostava de voltar a Vilar de Mouros. Já estamos contratados para o Gouveia Art Rock, um festival de rock sinfónico. Era bom que aparecesse o meu amigo Steve Hackett, guitarrista dos Genesis, que é meu amigo e fã no Facebook. É mais barato que alguns cantores pimba que andam aí. 

Tem uma relação de amor/ódio com Portugal? 

Eu?! Com Portugal, não. Se há alguém que tem uma homenagem pública na música portuguesa, com a minha idade, sou eu. Nunca houve ninguém da minha idade que tivesse 30/40 concertos por ano com 20 ou 30 mil pessoas à frente e que não saem de lá. 

Por vezes é muito crítico da música portuguesa e até do país.

Sim, mas, felizmente, o país está mais moralizado. O primeiro-ministro e o Presidente da República, que faria o papel de um grande rei em qualquer monarquia, têm moralizado o sistema. Já não sou tão crítico. Fui muito crítico de Salazar e Marcelo Caetano. Tenho 28 canções proibidas, o que me dá o sorriso de dizer que muitos cantores viraram intervencionistas depois do 25 de Abril. Claro, era muito mais fácil. Para mim, não foi. Cheguei ao 25 de Abril e decidi: tenho direito a votar e não vou impingir nada a ninguém. Escrevi 28 canções proibidas na Primavera Marcelista. Hoje posso cantar em defesa de qualquer causa: dos direitos humanos, ecológicos ou de pessoas desprotegidas de um Portugal mais profundo que, quando estava a melhorar, foi vitimizado por estes fogos – também estou a fazer muitos concertos solidários a favor das vítimas dos fogos, há bombeiros e câmaras que me pedem. Agora, o contexto é diferente. A minha intervenção foi antes do 25 de Abril. Estive quase a ser preso. 

Quando se fala de música de protesto pré-25 de Abril, o nome do José Cid não costuma ser referido. Porquê?

Porque não estou inscrito em nenhum partido nem vou estar. Quero estar livre para pensar e não estar sujeito a ideias preconceituosas. Não quer dizer que algumas dessas vozes não sejam tremendamente inspiradas do ponto de vista poético, mas o que eu tinha de fazer era constatar e protestar contra aquilo que estava mal no antigo regime. Já entreguei a’Os Verdes um tema meu sobre Almaraz [em Cáceres, Espanha, a cem quilómetros de Portugal, onde está instalada uma central nuclear cuja licença a expirar em 2020 será renovada], para a minha sobrinha, que é d’Os Verdes. Tenho feito canções para crianças doentes, gravei agora uma canção com o Mário Mata e outros cantores amigos. Neste álbum há dois temas antimilitaristas. Um chama-se “As Andorinhas da Paz”, que é uma tradução minha de um poema genial da Gabriela Mistral, Nobel da Literatura chilena. E o que são as andorinhas da paz? São aquelas freiras que, sem nada a perder, vão para os campos de batalha curar os feridos. E por vezes também morrem em explosões. O outro tema objetor de consciência é o “Anjos Negros”. Pergunto: “Diz-me lá, pintor, porque é que à volta da Virgem branca pões sempre anjinhos loirinhos, com olhos azuis e caracóis? Vê se pintas também alguns anjinhos negros porque as crianças negras são muito mais vítimas das guerras e das fomes no mundo inteiro do que as crianças de Londres, Nova Iorque, Paris ou Lisboa.” A minha mulher [Gabriela Carrascalão] é pintora e jornalista, e gostou imenso da canção. Ela pintou um tríptico que ilustra o tema e fez o grafismo geral do álbum. 

Como é que se juntaram?

Foi uma paixão muito antiga que tivemos nos anos 80. Estava em digressão na Austrália a cantar em inglês e português. Fiz a primeira parte de um concerto dos Men At Work. Foi aí que nos encontrámos. Ela era refugiada timorense e conhecemo-nos. Foi um bocadinho momentâneo da minha parte, mas ela ficou apaixonada por mim toda a vida. Casámos 30 anos depois. Quando nos sentimos sozinhos, procuramos uma pessoa que seja a nossa cara-metade.

Eram membros do Clube dos Corações Solitários…

… até nos encontrarmos. Não tenho idade real física, mas tenho idade mental. Quero mantê-la até ao fim com a minha rebeldia, loucura e criatividade. Com as musas bem perto de mim. Não há nada como as pessoas escreverem canções, tocarem e cantarem, e depois terem as musas do outro lado do rio. Sem barco a remos, sem saber nada ou ter binóculos para as ver. A poesia deve ser mais inspirada na grande poesia portuguesa e, como há pessoas que não sabem o que dizer, devem inspirar-se mais nos outros.

Apesar da sinceridade, por vezes sarcástica, e das farpas que deixa, parece conseguir estar bem com toda a gente…

(interrompendo) Com todas as gerações.

Exceto com o Tony Carreira.

Não quero falar dele porque não quero promover o próximo álbum, que é finalmente o primeiro de originais. E como vai ser melhor, merece os parabéns por isso. Finalmente vamos ter Tony Carreira a cantar originais em português. 

Em entrevista ao “SOL”, não teve pejo em reconhecer que não gostou da forma como o Jay-Z usou o excerto de “Todo o Mundo e Ninguém” do Quarteto 1111.

O Jay-Z gostou muito de mim e do Tozé Brito. Logo quando o Tozé chega ao Quarteto 1111, trazido para minha casa para Lisboa, dei-lhe um poema de Gil Vicente para ele cantar. O “Todo o Mundo e Ninguém” é um dos grandes temas do 1111. Eu toquei bateria – o Michel devia estar num voo da TAP – e Hammond. O Tozé tocou piano, que devia ter sido eu, e baixo. Fizemos os dois o tema numa jam session na garagem. O Jay-Z, 50 e tal anos depois, resolveu usá-lo na abertura do “Mercy Me”. Ele meteu-lhe um vírus que é do Quarteto 1111. (risos) Está bem feito, mas parece uma pessoa a dizer 50 vezes a mesma coisa à outra. Agora a sério, foi um bocadinho frustrante ver uma música tão bonita, com um poema tão grande, não ser muito mediatizada. “A Lenda D’el Rei D. Sebastião” é só a ponta do iceberg da obra do Quarteto. Por este e aquele motivo, o Quarteto tem sido marginalizado, e agora, se o quiserem recuperar, também não contem muito comigo. Já dei para efemérides. Chamem o Tozé Brito – eu fiz 90 músicas e ele dez -, mas não tenho pachorra. 

Quando a notícia saiu, falou numa quantia generosa. 

[O dinheiro] ainda não veio mas há de vir. [O assunto] está em boas mãos. O Tozé é uma pessoa importantíssima na SPA e está lá para controlar a questão. [Essa verba] vai servir-me para gravar um álbum ou dois e produzir um ou dois artistas que goste. Vou usar a massa para a música. 

Preocupa-o deixar um legado?

Nada. (dá um gole no copo de água) Nadica. Quando canto ao vivo, canto como se o mundo acabasse. Quando te dou a entrevista, posso pensar que é a última. Tenho muita saúde, faço as minhas análises, levo uma vida regrada, mas posso morrer de repente. Nunca andei em drogas nem em álcool, nem nunca estive nos Alcoólicos Anónimos. Não fez parte do meu projeto de vida, mas admito que posso partir de um dia para o outro. Quero continuar a cantar. Convidem-me que eu vou, não quero é ficar em casa a passear as cadelas.