Quando quer mesmo, o Estado português tem boa capacidade de fiscalização. Há aliás um caso que devia de servir de exemplo: a EMEL. Comparável em termos de eficácia só mesmo a Autoridade Tributária. Mas mesmo assim a EMEL é melhor. Em segundos os seus funcionários multam, bloqueiam, cobram balúrdios, se for preciso intimidam (vejam-se algumas das bisarmas desbloqueadoras), estão equipados de carrinhas e de uma parafernália de equipamentos para tramar em minutos qualquer malfeitor (leia-se automobilista) que se tenha esquecido de pôr um ticket, que tenha ultrapassado o limite de tempo ou que se tenha enganado no local de paragem, o que é corrente. É que, não por acaso, as placas para usos diferentes são propositadamente parecidas e referem sempre o “P” de parqueamento com um símbolo enorme e só depois em letras pequenas o uso específico. Trata-se de um embuste para legalizar o assalto.
Se o Estado, mesmo ao nível autárquico consegue montar e organizar um sistema fiscalizador e repressivo deste género, como não acreditar que não saiba ter uma eficácia no combate ao crime através da PSP, da GNR, da ASAE (esta muito ativa para as televisões). Ou, por exemplo, detetar as irregularidades no sector social e prevenir as potenciais falhas em organismos como o INEM, a Proteção Civil e os bombeiros?
A razão está na diferença de finalidades. Nuns casos trata-se de defender o cidadão de assaltos, abusos ou de o socorrer e noutro o objetivo é pura e simplesmente sacar-lhe dinheiro por um pecadilho ou esmifrá-lo com impostos para sustentar uma máquina às vezes parasitária.
Um Estado que se prezasse atuaria com a mesma consistência e firmeza em áreas de que dependem cidadãos indefesos como os incapacitados, as crianças sem família e os velhos internados em lares, em hospitais e clínicas sem condições. Um Estado de bem não permitiria que tivessem acontecido casos como o roubo de crianças na IURD (só possíveis com cumplicidades internas no seu aparelho social e de justiça que carecem de inquérito mesmo depois de prescrição). Um Estado sério teria proibido aquele tipo de templos ou, no mínimo, teria obrigado a que pagassem impostos, uma vez que é de um negócio de que se trata. A verdade é que nada disso acontece. Tristemente surgem alguns casos de abusos com situações que supostamente são humanitárias onde se abrigam certas figuras do sector social que saltam de um lado para o outro, como ainda agora ficou patente no caso da Raríssimas, cuja responsável jurídica tinha transitado da SPEM, dedicada à esclerose múltipla, sendo acusada de ali ter feito uma gestão ruinosa.
Situações duvidosas acontecem também em fundações que continuam ativas e noutras que encobrem desígnios políticos. Isto para não falar das ONG que são também muitas vezes, nacional e internacionalmente, um negócio de amigos e familiares, feito à conta da caridade. Por ali também circulam e se passeiam verdadeiros mercenários do humanitarismo. Obviamente que neste universo de organizações se faz mais bem do que mal. Precisamente por isso quem abusa do seu estatuto social deve ser punido de forma exemplar. Se assim não for, as organizações humanitárias serão olhadas cada vez com maior desconfiança pela sociedade civil, mimetizando o que se passa em relação à atividade política, hoje fortemente desconsiderada em todo o mundo.
Veja-se a paradigmática situação em que ficou Vieira da Silva. Por melhor que se tenha safado no parlamento na segunda feira (e a sua prestação não lhe correu excessivamente mal), a verdade manda dizer que o ministro, mesmo assim, perdeu muita autoridade política, o que não o vai impedir de se manter. Isto porque António Costa também depende dele e da rede que ele transporta consigo não só em termos de lugares políticos distribuídos a familiares, mas também a um pelotão de amigos que coloca sempre bem logo que chega ao governo. Veja-se as nomeações no INATEL onde pôs como presidente um homem da sua inteira confiança que já antes tinha colocado à frente do IEFP. Veja-se também as da Santa Casa onde nomeou provedor uma figura que já tinha indicado em tempos para presidente do Instituto de Gestão da Segurança Social e onde agora impos como vice-provedor o seu chefe de gabinete. Vieira da Silva é uma força interna essencial no PS. Esteve com Sampaio, com Guterres, com Sócrates (muito especialmente) e agora com Costa. Não esteve que se saiba com Seguro que não chegou ao poder do Estado e que tinha um discurso que verberava o PS dos interesses e dos negócios. Um discurso e uma prática que hoje bem falta fazem.
Jornalista