País em prisão domiciliária

País em prisão domiciliária


Sem grandes soluções à vista, vemos os ex-amigos e ex-companheiros de governo do ex-primeiro-ministro José Sócrates a governarem o país e a capital como se absolutamente nada os ligasse a essa desastrosa fase da democracia portuguesa


Portugal tem do atual regime aproximadamente o mesmo tempo de duração do regime anterior. Em tese, o regime já devia ter caído. Contudo, o país está, faz décadas, refém de um sistema partidário fechado em si próprio, tendo acabado por se habituar a viver assim. À imagem da síndroma de Estocolmo, passou de refém a detido em prisão domiciliária.

Sem grandes soluções à vista, vemos os ex-amigos e ex-companheiros de governo do ex-primeiro-ministro José Sócrates a governarem o país e a capital como se absolutamente nada os ligasse a essa desastrosa fase da democracia portuguesa. É notável a capacidade de resetting e de autoperdão da esquerda em Portugal. Não obstante, este tem sido um dos problemas do regime transversal ao conjunto das forças políticas do bloco central: a incrível capacidade de reciclagem dos resíduos políticos.

O país carece de reformas e mudanças profundas e, para isso, é importante que o PSD acorde do estado de apatia em que se encontra. O país precisa que o PSD conduza uma oposição com projeto reformador credível, com ideias claras, contemporâneas e ambiciosas para Portugal; para Lisboa, para o Porto, para o interior, para o litoral; para o papel de Portugal na Europa, para o combate à desertificação, para a reforma do Estado, para a reforma da justiça, para a educação; para a atração de empresas internacionais, para o crescimento económico, para a segurança, para a regionalização e, por fim, para o sistema político. Sem a reforma do sistema político não haverá democracia, nem o país se libertará da detenção de que foi alvo.

Portugal é um país detido por partidos e políticos que, por sua vez, são detidos por grupos de interesses. Os vários casos de justiça mostram bem a permissividade do sistema, e por mais inusitado que pareça estamos hoje, algumas vezes, mais próximos dos receios do Bloco de Esquerda que das práticas do governo. O tema das rendas das empresas de energia é uma clara demonstração.

É necessário que o PSD abandone o exercício da oposição focado em habilidades e no quotidiano, e que pense o país, a Europa e o mundo; pense Lisboa, pense o Porto, pense Setúbal, Faro, Braga e Évora; pense a modernização da administração pública, a agilidade e clareza na justiça, a ética na governação, a transparência na aplicação de fundos, a redução da burocracia, o equilíbrio das contas públicas, o desenvolvimento empresarial e a internacionalização do país. A realidade mostra, contudo, que o PSD insiste em não se atualizar e, infelizmente, não se apresenta como força galvanizadora de uma esperança fundamentada numa visão estratégica.

Enquanto esta cultura cinzenta de antiguidade apática persistir está facilitada a vida de quem faz da política um exercício essencialmente mediático. É por isso que parece que o governo resolve os problemas estruturais do país e que Lisboa não tem lixo e buracos nas ruas, que os autocarros da Carris não largam um fumo negro insuportável e que Fernando Medina não é um fraco presidente de câmara, produto de uma mediatização idêntica à de José Sócrates e António Costa.

O diagnóstico está feito, publicado e conhecido, não oferece grandes dúvidas. Consequentemente, aquilo de que o país necessita é de uma visão clara que ajude a resolver as enfermidades crónicas. Assim sendo, e como anunciado em artigos anteriores, apresento hoje uma pequena lista de áreas de intervenção que me parecem adequadas ao contributo da modernização e desenvolvimento do país.

No sistema político: Introdução de círculos uninominais para a eleição dos deputados à AR, abrindo a possibilidade de candidaturas independentes; redução do número de câmaras municipais para 180; transformação das juventudes partidárias em grupos de voluntariado e apoio social; introdução, como órgão de coordenação de política nacional, do encontro entre o governo e os presidentes de câmara. Estas mudanças, aparentemente pequenas, constituem em si um avanço na cultura democrática que permitirá ao país arejar, libertando-se do estado de detenção que os diretórios partidários impuseram. Devolverá a decisão e o escrutínio quanto à eleição e atuação dos deputados aos eleitores, retirando desta forma, e em definitivo, a autoridade ditatorial que os partidos possuem relativamente aos deputados eleitos.

Na posição de Portugal na Europa: Garantir que, dentro das forças armadas comuns, Portugal, por ser detentor da maior zona económica exclusiva marítima (ZEE), terá um papel central no que à armada europeia diz respeito. Esse objetivo pelo qual temos de bater-nos contribui para o de-senvolvimento de atividades económicas várias, investigação e ensino, emprego e reforço da influência diplomática do país. Além disso, deixa claro que não pretendemos prescindir da soberania no que respeita à autoridade sobre o nosso maior ativo em termos territoriais. A ZEE tem potencial para constituir em si um desígnio de desenvolvimento que arraste centros de investigação e universidades, empreendedores e empresas, setor público e governo.

Há um enorme potencial desaproveitado em Portugal e nos portugueses. A ausência de desígnios estruturais, para além de desmotivadora, impede o crescimento estrategicamente sustentado da economia e da influência de Portugal na Europa e no mundo.

Não é excessivo sublinhar a ideia de que o desenvolvimento do país passa pela evolução qualitativa da democracia que apenas uma democracia de qualidade, real e sem disfarces, poderá resolver.

 

Ativista político, Gestor e professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”