O caso Sócrates e a cegueira quase coletiva


Manuela Moura Guedes tem razão na entrevista que dá nesta edição de fim de semana do i: com algumas exceções, a ação coletiva do país, da comunicação social e do PS sobre as suspeitas que iam surgindo relativamente ao antigo primeiro-ministro José Sócrates são um sintoma de uma sociedade absolutamente tolerante com a corrupção.


Não foram muitos os jornais com coragem para afrontar Sócrates – embora só o facto de terem existido alguns que o fizeram mostre que a imprensa portuguesa não é totalmente amorfa e que a democracia, ao contrário do que Manuela Moura Guedes diz, acabou por não estar em risco. Mas pela vontade das elites, socialistas e não só, o assunto teria caído no esquecimento – o que diz muito da falta de moralidade e de ética das nossas elites, grandes e pequenas. 

Dentro do PS, a esmagadora maioria foi surda, cega e muda a todas as suspeitas sobre José Sócrates, com a exceção de alguns militantes que se contam pelos dedos de uma mão. De resto, o PS nunca fez uma verdadeira discussão sobre o assunto: ali nos dias seguintes à prisão de Sócrates falou-se nisso, mas rapidamente a questão foi varrida para debaixo do tapete.

O caso, de resto, não entusiasmou os políticos portugueses – veja-se o Bloco de Esquerda, por exemplo, que há anos discute amplamente a corrupção em Angola, mas nunca ousou falar do caso José Sócrates (a menos que eu não tenha dado por isso). O PCP não discute a corrupção em Angola e, em Portugal, só a discute genericamente. PSD e CDS também têm os seus problemas enquanto partidos de poder e recusam uma verdadeira discussão.

No meio de tudo isto, Manuela Moura Guedes foi despedida por ousar enfrentar Sócrates. Em contraponto, o advogado do ex-primeiro-ministro, Proença de Carvalho, que gere a Global Media, ainda é um homem capaz de proporcionar muitos empregos. Ou seja: ainda vale a pena ser um bocadinho cego, surdo e mudo.