Barcelona. Até a Sagrada Família fechou na greve geral

Barcelona. Até a Sagrada Família fechou na greve geral


Em toda a Catalunha cortaram-se 34 estradas. Dentro de Barcelona, a circulação esteve condicionada aos serviços mínimos nos transportes públicos. A grande maioria das lojas fechou. O rei de Espanha falou à noite e garantiu que a Catalunha continuará a ser espanhola


Uma greve geral na Catalunha é uma greve geral na Catalunha. Tem as suas particularidades. É possível ver jovens comprarem bandeiras do país a um comerciante que não fechou a loja, mas que, solícito, ajuda a atar as bandeiras nas costas dos jovens. Ver-se um vendedor de jornais abrir umas horas, para os seus clientes e conhecidos, para fechar o quiosque dizendo: “agora vou manifestar-me”. E ver milhares de pessoas irem ocupando as ruas da cidade sem aparente ordem, sem ser para demonstrar que as cidades e os locais em que vivem são deles.

Enquanto fazia o eixo central de mais de dez quilómetros da cidade a pé, para conseguir chegar a um dos pontos simbólicos da greve de domingo, uma secção de voto em que as pessoas que defendiam as urnas foram atiradas pelas escadas pela Polícia Nacional, as manifestações multiplicavam-se à minha volta. Milhares de pessoas percorriam Barcelona aos gritos sincopados: “As ruas serão sempre nossas”. Uns iam para a universidade, outros para frente das sedes do Partido Popular e dos Ciudadanos, enquanto centenas homenageavam os feridos do 1 de outubro, fazendo uma paragem silenciosa e simbólica no Institut Ramon Llull.

Bombeiros As sedes dos partidos de direita, assim como outros edifícios simbólicos, como a delegação do governo de Madrid e as instalações dos comandos militares da Guarda Civil, estavam protegidas pelo polícia autonómica, os Mossos d’Esquadra e por contingentes de bombeiros. A passagem dos bombeiros é motivo, por todo o lado de aplausos, beijos e até entrega de flores. Em muitos locais da Catalunha eles fizeram um cordão humano para impedir que as pessoas que tentavam votar fossem atacadas pela Polícia Nacional e pela Guarda Civil, tendo sido eles a sofrer com os cassetetes, um prestígio que lhes permitiu evitar atos mais violentos em muitos locais.

São eles mesmos que encabeçam uma grande manifestação que decide ir rumo ao parlamento. Nessa massa de milhares de pessoas vão três adultos e duas jovens com ar de família pacífica. Explica-me o homem mais velho que se manifesta “apenas por uma questão de dignidade”. Para eles, há anos que a Catalunha quer dialogar com o governo de Madrid, não recebendo nenhuma resposta, sem ser as cargas policiais, garante Roberto Elossuna. Uma das mulheres, Miriam Bayes, acha que é preciso uma negociação, que o referendo de domingo, estava definido pelos seus próprios limites, como “não vinculativo”, mas que esse facto não significa que a vontade das pessoas que foram votar, em condições de uma enorme repressão, fosse menos séria. Nuria Mirabent, concorda com amiga e diz, “infelizmente o processo vai ser lento e doloroso”. Todos me vão dizendo que apesar das dificuldades não vão desistir das suas reivindicações.

Pastelaria portuguesa Perto da delegação do governo central, há uma pastelaria portuguesa que mantinha as portas abertas. A dona diz a sorrir: “estou de coração com os protestos, mas até os manifestante são obrigados a alimentarem-se para melhor protestar”. Numa das muitas tascas com comida tradicional da Catalunha e outras regiões de Espanha dirigidas por chineses, as pessoas observam as notícias como se estivessem a vibrar com um jogo de futebol. Quando se mostram as imagens de milhares de catalães a cercar um Hotel em Pinar del Mar, onde estão alojados umas centenas de Polícias Nacionais, e se noticia que a câmara municipal socialista, do PSC (o PSOE local), pediu aos hoteleiros para que expulsassem os polícias espanhóis, dada a tensão criada, depois da sua intervenção no domingo, a tasca toda quase se levanta, como se houvesse um golo do Barça, e começam a gritar: “Pinar del Mar livre e tropical”.

Sobre estes acontecimentos e a repressão de domingo, o ministro do Interior espanhol, garantiu que as forças da ordem não fizeram mais que o seu trabalho, e “que nenhum dos polícias e militares será expulso dos seus hotéis”.

Enquanto multidões, cada vez com mais gente, gritavam palavras de ordem exigindo a saída dos polícias e militares espanhóis da Catalunha, estes respondiam aos gritos de “Viva Espanha”, “Viva a Polícia Nacional” e “Viva a Guarda Civil”. Os hotéis foram protegidos por dezenas de elementos das unidades antidistúrbios da polícia autonómica, Mossos d’Esquadra, que evitaram o pior.

O Ministério Público espanhol veio emitir uma declaração em que garante que a atuação da polícia espanhola durante o referendo de 1 de outubro foi correta, “e que não colocou em causa a sã convivência na Catalunha”. O Ministério Público acusa o governo catalão de cometer o crime de convocar sucessivas manifestações e protestos que fazem subir a tensão política. Simultaneamente, um magistrado abriu um processo contra os proprietários dos vários hotéis que expulsaram os polícias e militares espanhóis, acusando-os do “crime de ódio”.

A situação na Catalunha é ao mesmo tempo clara e confusa: nada ficará igual, no entanto, mesmo nestes momentos de luta, as reivindicações não são todas iguais: o protesto é apoiado por muitas centrais sindicais, com algumas associações patronais a aconselharem os seus trabalhadores a participar, e é também dinamizada por uma miríade de movimentos sociais, dos mais moderados aos mais radicais. Para uns chama-se “uma greve geral”, para outros “um país parado”. A diferença semântica esconde uma divergência política: todos protestam contra a repressão da polícia espanhola que deixou feridas quase 900 pessoas, durante o referendo independentista de domingo. Mas os sindicatos a nível de Espanha, Comissiones Obreras e UGT, embora participando nesta ação, sob o sorriso amarelo dos seus dirigentes madrilenos, garantem que não se pronunciam, nem são favoráveis a uma declaração de uma Catalunha independente.

Apesar disso, nas ruas predominam as várias bandeiras da Catalunha, com realce para a Estrelada, que convivem com poucas bandeiras da República espanhola, e até alguns manifestantes levam bandeiras de Espanha, para sublinharem que se junta ao protesto contra a repressão.

Panelaço para o Rei Durante a mensagem do rei de Espanha Filipe VI, o habitual panelaço diário apareceu ainda mais ensurdecedor que em todos os outros dias. O detentor da coroa de Espanha criticou a ação do governo da Catalunha durante seis minutos, atacou os catalães por socavarem a unidade de Espanha e por violarem reiteradamente e propositadamente as leis e a Constituição.

Filipe VI garantiu que Espanha é uma democracia e que os independentistas podem defender a independência, no marco da legalidade, que declara que o país é indivisível e cuja unidade e integridade é defendida pelo exército.

Para o monarca, “os que estão contra a ação do governo da Catalunha, na Catalunha, quero dizer-lhes que não estão sós. São momentos difíceis mas vamos superá-los. Porque os nossos princípios democráticos são fortes”. Filipe VI garantiu, finalmente, que a Catalunha vai continuar a ser espanhola.

Compasso de espera Depois do referendo de domingo, o governo da Catalunha fez um compasso de espera, tentando abrir algum espaço para negociar com Madrid, podendo ir até à convocação de um outro referendo que fosse aceite por todas as parte. Hoje vai ser marcada a sessão plenário do parlamento para decidir sobre o 1 de outubro. O jornalista da La Sexta Antonio García Ferreras afirmou que a República da Catalunha pode ser proclamada, unilateralmente no próximo fim de semana.

São raros os milagres, pelo menos para um casal peruano que só tinha ido a Barcelona para visitar a famosa catedral da Sagrada Família, parece que a divindade anda também de greve, só não se sabe ainda que lado vai proteger.