Quando foi constituído o governo da geringonça, era evidente que tinha de ser preparada uma resposta política consequente que passasse por o centro-direita arranjar novos rostos e novas propostas políticas que fizessem esquecer a má memória que os anos da troika tinham deixado em grande parte do eleitorado. O CDS soube fazê-lo. Apesar da sua ligação profunda a Paulo Portas, este deixou a liderança, surgindo Assunção Cristas que, numa aposta política arriscada, decidiu ir a votos nas autárquicas em Lisboa. Mas para isso preparou-se pacientemente durante um ano, surgindo com grande solidez na campanha eleitoral, o que em muito a beneficiou.
Pelo contrário, Passos Coelho não percebeu que estava perante uma nova realidade política e decidiu manter a imagem de primeiro-ministro, agora no exílio, querendo convencer o PSD de que tinha ganho as eleições quando, num sistema parlamentar, não se consegue formar governo sem assegurar a maioria no parlamento. Por esse motivo, Passos Coelho desvalorizou completamente as eleições autárquicas, acreditando que bastaria uma futura chegada do diabo para que o governo voltasse a cair-lhe nos braços, o que lhe permitiria estar-se novamente nas tintas para as eleições autárquicas de 2017, como já tinha estado para as de 2013. Só que o diabo não veio e as eleições autárquicas tornaram-se a única oportunidade para o PSD fazer ouvir a sua mensagem política. Mas, aí, Passos Coelho nada mais tinha para apresentar do que candidatos arranjados à pressa que se mostraram claramente impreparados para os difíceis combates que tiveram de travar. Mas, mesmo assim, esses candidatos foram fortemente prejudicados pela postura de Passos Coelho, sempre a recordar o tempo em que foi primeiro-ministro e sem nada para dizer em relação às questões actuais da campanha autárquica.
Em democracia, as eleições conquistam-se voto a voto e não se ganha qualquer voto a prometer o inferno aos eleitores. Pelo contrário, com os bons resultados que surgiram na área económica, o país habituou-se a olhar para Passos Coelho como o fantasma dos Natais passados, alguém que suspira por um tempo perdido mas de quem ninguém mais tem saudades. Por isso, Passos Coelho não pode continuar líder do PSD. Não haja a este respeito quaisquer ilusões. Ninguém quer voltar aos cortes de salários e de pensões, aos feriados abolidos e aos valores anteriores do salário mínimo. E, se o actual líder do PSD só consegue oferecer aos eleitores essa perspectiva de futuro, é mais que tempo de o PSD arranjar um novo líder.
É claro que Passos Coelho, que está agarrado ao poder como uma lapa, não vai sair voluntariamente, como já declarou, apesar de ter ensaiado um período de reflexão na noite eleitoral. E terá todo o apoio do seu grupo de fiéis, que não tinham qualquer peso político antes dele e sabem que também deixarão de o ter com a sua saída. A esse grupo, não importa nada que Passos tenha transformado o PSD num partido de segunda divisão, podendo inclusivamente ir parar à terceira. Por isso, os muitos militantes do PSD, que travaram duros combates políticos e que foram altamente prejudicados pela falta de estratégia da sua direcção, têm de arranjar rapidamente uma alternativa para a liderança. Como estas eleições autárquicas mostraram, deixar Passos continuar à frente do PSD – por ele ou por interposta pessoa – corresponde ao suicídio político do partido. Vejamos se o PSD consegue escapar a esse destino.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990