Todos os nomes


Não vou ao ponto de dizer que a criação de certos nomes para certas operações judiciárias/policiais tenha já o olhinho posto na mediatização da coisa, criando nomes à medida da mesma, mas que parece piscar de olho parece


Estava a passar os olhos por notícias sobre uma operação judiciária no Brasil e ocorreu-me perguntar a mim mesmo, com aquele jeito retórico meio irónico meio triste que 23 anos de Tribunais e afins nos dão, porque é que põem nomes, e em especial certo tipo de nomes, a algumas operações judiciárias/policiais. No Brasil como em Portugal, e não só. E, já agora, gostava de conhecer quem cria os nomes, porque gosto sempre de conhecer espíritos criativos e maliciosos. Maliciosos? – espanta-se o leitor. Sim, maliciosos, ou o leitor acha, na sua beatífica ingenuidade, que certos nomes são dados por acaso e ressumam candura? Como diria uma sobrinha minha, no seu desassombro de criança, “pois pois”.

A explicação que é dada para a atribuição de nomes a certas operações judiciárias/policiais prende-se com a necessidade de criar códigos para as designar e, assim, facilitar as comunicações entre a equipa e, sobretudo, proporcionar reserva e discrição. Mas, pergunto eu, na minha ironia triste: serão precisos, para facilitar as comunicações, tanta criatividade e o efeito circense e pirotécnico que certos nomes têm? Se calhar sim, mas a mim não me ocorreria, talvez por défice de maliciosa criatividade. E, prosseguindo nas perguntas, e sem largar a ironia e a sua referida adjetivação: proporcionar reserva e discrição? Reserva e discrição?! – repito a questão, e acrescento a exclamação. Então mas não é precisamente este tipo de processos que rapidamente cai nas bocas do mundo, às vezes com cobertura em direto dos momentos altos das operações judiciárias/policiais? E caem e rolam nas bocas do mundo precisamente com os nomes que foram dados às operações. Precisamente. Coincidências, naturalmente – mas que é, lá isso é.

Não vou ao ponto de dizer que a criação de certos nomes para certos processos tenha já o olhinho posto na mediatização da coisa, criando nomes à medida da mesma. Mas que parece piscar de olho parece, e não deixa de haver um conúbio, provavelmente inconsciente, entre operações e media, uns de um lado dão nomes que passam facilmente e enchem o ouvido, do outro noticiam e repetem os nomes que soam bem. Quase como os belos efeitos de luzes num circo de Natal, que abrilhantam o número, e este é sempre anunciado com um sonoro e sedutor “E agora, respeitável público, o nosso magnífico…”.

O romance de José Saramago “Todos os Nomes” conta a história de um funcionário do registo que resolve arranjar um hobby para se distrair do trabalho monótono. Começa a colecionar recortes sobre pessoas famosas, mas quando verifica que são todas semelhantes passa a dar atenção aos detalhes da vida da gente simples e desconhecida, até se enredar num labirinto de informações e números, sugerindo que, se a vida se resumiu a números e documentos, é preciso, de alguma forma, refazê-la. Ao menos que isto dos nomes das operações judiciárias/policiais não seja para refazer a realidade. “Nessun dorma” – cantemos com Calaf ou com a Polícia Federal, conforme a afinação preferida.

 

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