A queda de um anjo


Com tantas incertezas sobre o que significa de facto a “revolução” prometida por Macron, há uma medida que começa a ganhar contornos reais e promete aquecer as ruas em setembro. A reforma laboral proposta pelo presidente está a assustar os trabalhadores, e não é para menos.


Não faltam títulos sugestivos para a recente e acentuada queda de popularidade de Emmanuel Macron, o jupiteriano presidente francês. Depois de ter sido eleito, em maio, com 66,10% dos votos, em julho já tinha caído 10 pontos no índice de aprovação, a maior queda nos primeiros 100 dias de um governo desde Chirac, em 1995. Em agosto, o número voltou a despencar para 36%. A desilusão é evidente e tem muitas explicações, a começar pelo contacto com a realidade. Como resumiu o responsável pela empresa de sondagens, “para Emmanuel Macron, a entrada na atmosfera foi brutal”.

Muitos chamaram-lhe presidente de circunstância por ter sido produto de uma concentração de votos anti-Le Pen, uma coligação forçada pelo medo e não pela adesão a um projeto. Esse, sem brilhantismo, nunca se afastou da cartilha que levou a Europa ao desastre da austeridade. Se a macronmania que destronou o PSF e a direita tradicional prometia uma renovação política, já Macron, o banqueiro, só prometia ser um digníssimo representante de mais do mesmo.

Mais do mesmo significa manter os direitos sociais e económicos das francesas e franceses em permanente ameaça. Com o seu programa colocado bem ao centro, Macron insiste que é preciso apertar o cinto para cumprir as regras europeias e isso está a custar-lhe caro em apoio popular. Com uma reforma fiscal por planear, as semelhanças com os ziguezagues de Hollande, de quem foi ministro, não lhe ficam bem.

A par de cortes nos apoios sociais, do aumento de alguns impostos e de cortes orçamentais, a presidência foi desde cedo manchada pela saída ou manutenção de ministros suspeitos de corrupção, situação difícil de gerir num governo formado por representantes de vários partidos. No meio de uma agenda impopular, a tentativa de criar e atribuir à sua mulher o cargo oficial de primeira-dama foi um tiro ao lado com mediatização mundial.

Com tantas incertezas sobre o que significa de facto a “revolução” prometida por Macron, há uma medida que começa a ganhar contornos reais e promete aquecer as ruas em setembro.
A reforma laboral proposta pelo presidente está a assustar os trabalhadores, e não é para menos.

De acordo com os jornais franceses, “O Patrão”, como lhe chamou a revista “Nouvel Observateur”, quer uma reforma laboral para contornar o poder dos sindicatos. As propostas vão de referendos nas empresas organizados pelo patronato à facilitação dos despedimentos e criação de limite para as indemnizações em caso de despedimento sem justa causa.

Se tudo isto é alvo de oposição ora à esquerda, ora à direita, mais consensual tem sido a crítica ao estilo com que Macron pautou a sua presidência e que, segundo o próprio, é inspirado em Júpiter, deus dos deuses e dos homens. Na terra, Macron parece querer instalar-se entre a autoridade gaullista e o presidencialismo norte-americano.

Num episódio recente, a troca de argumentos com o general Pierre de Villiers, chefe do Estado- Maior das Forças Armadas de França, levou à demissão do último e a muitas críticas de toda a oposição. Seguindo o tom de toda a imprensa, o jornal “Le Monde” lamentou o “autoritarismo juvenil” do novo presidente, que também tem sido apelidado de monárquico, imperial, jupiteriano e hierático.

Entre os apertos de mão a Putin e os encontros com estrelas de entretenimento como Rihanna, Bono Vox e Trump, Macron vai apostando numa projeção externa quase publicitária de França e em roadshows de europeísmo confiante. Apesar disso, em casa, o programa centrista começa a ser curto para evitar a desilusão de quem quis, acima de tudo, evitar Le Pen.

Macron representa um projeto falhado na Europa e fá-lo com a arrogância de representante de elites. É nessa curva que a extrema-direita recupera espaço, provando que não era ao centro que estava a alternativa a Le Pen. O futuro dessa alternativa depende agora de um projeto democrático e popular reforçado pela oposição a Macron, não vá o anjo cair-nos em cima.

 

Deputada do Bloco de Esquerda


A queda de um anjo


Com tantas incertezas sobre o que significa de facto a “revolução” prometida por Macron, há uma medida que começa a ganhar contornos reais e promete aquecer as ruas em setembro. A reforma laboral proposta pelo presidente está a assustar os trabalhadores, e não é para menos.


Não faltam títulos sugestivos para a recente e acentuada queda de popularidade de Emmanuel Macron, o jupiteriano presidente francês. Depois de ter sido eleito, em maio, com 66,10% dos votos, em julho já tinha caído 10 pontos no índice de aprovação, a maior queda nos primeiros 100 dias de um governo desde Chirac, em 1995. Em agosto, o número voltou a despencar para 36%. A desilusão é evidente e tem muitas explicações, a começar pelo contacto com a realidade. Como resumiu o responsável pela empresa de sondagens, “para Emmanuel Macron, a entrada na atmosfera foi brutal”.

Muitos chamaram-lhe presidente de circunstância por ter sido produto de uma concentração de votos anti-Le Pen, uma coligação forçada pelo medo e não pela adesão a um projeto. Esse, sem brilhantismo, nunca se afastou da cartilha que levou a Europa ao desastre da austeridade. Se a macronmania que destronou o PSF e a direita tradicional prometia uma renovação política, já Macron, o banqueiro, só prometia ser um digníssimo representante de mais do mesmo.

Mais do mesmo significa manter os direitos sociais e económicos das francesas e franceses em permanente ameaça. Com o seu programa colocado bem ao centro, Macron insiste que é preciso apertar o cinto para cumprir as regras europeias e isso está a custar-lhe caro em apoio popular. Com uma reforma fiscal por planear, as semelhanças com os ziguezagues de Hollande, de quem foi ministro, não lhe ficam bem.

A par de cortes nos apoios sociais, do aumento de alguns impostos e de cortes orçamentais, a presidência foi desde cedo manchada pela saída ou manutenção de ministros suspeitos de corrupção, situação difícil de gerir num governo formado por representantes de vários partidos. No meio de uma agenda impopular, a tentativa de criar e atribuir à sua mulher o cargo oficial de primeira-dama foi um tiro ao lado com mediatização mundial.

Com tantas incertezas sobre o que significa de facto a “revolução” prometida por Macron, há uma medida que começa a ganhar contornos reais e promete aquecer as ruas em setembro.
A reforma laboral proposta pelo presidente está a assustar os trabalhadores, e não é para menos.

De acordo com os jornais franceses, “O Patrão”, como lhe chamou a revista “Nouvel Observateur”, quer uma reforma laboral para contornar o poder dos sindicatos. As propostas vão de referendos nas empresas organizados pelo patronato à facilitação dos despedimentos e criação de limite para as indemnizações em caso de despedimento sem justa causa.

Se tudo isto é alvo de oposição ora à esquerda, ora à direita, mais consensual tem sido a crítica ao estilo com que Macron pautou a sua presidência e que, segundo o próprio, é inspirado em Júpiter, deus dos deuses e dos homens. Na terra, Macron parece querer instalar-se entre a autoridade gaullista e o presidencialismo norte-americano.

Num episódio recente, a troca de argumentos com o general Pierre de Villiers, chefe do Estado- Maior das Forças Armadas de França, levou à demissão do último e a muitas críticas de toda a oposição. Seguindo o tom de toda a imprensa, o jornal “Le Monde” lamentou o “autoritarismo juvenil” do novo presidente, que também tem sido apelidado de monárquico, imperial, jupiteriano e hierático.

Entre os apertos de mão a Putin e os encontros com estrelas de entretenimento como Rihanna, Bono Vox e Trump, Macron vai apostando numa projeção externa quase publicitária de França e em roadshows de europeísmo confiante. Apesar disso, em casa, o programa centrista começa a ser curto para evitar a desilusão de quem quis, acima de tudo, evitar Le Pen.

Macron representa um projeto falhado na Europa e fá-lo com a arrogância de representante de elites. É nessa curva que a extrema-direita recupera espaço, provando que não era ao centro que estava a alternativa a Le Pen. O futuro dessa alternativa depende agora de um projeto democrático e popular reforçado pela oposição a Macron, não vá o anjo cair-nos em cima.

 

Deputada do Bloco de Esquerda