António Costa, o mestre de culinária


É um fenómeno dos cozinhados políticos que prepara em função do que tem à mão e dos apetites dos que o rodeiam e dos clientes que estão geralmente muito satisfeitos


“Eu sou mestre de culinária e sei enfeitar a travessa”, a canção do universal Quim Barreiros bem poderia definir o comportamento genérico de António Costa na política.

De facto, o primeiro-ministro é um mestre do cozinhado político e tem um sentido de oportunidade (para não utilizar oportunismo e evitar que alguém atribua intenções pejorativas que não existem) que a todos deixa boquiabertos.

Costa já deu mostras disso vezes sem conta ao actuar inesperadamente e com rapidez táctica, passando por cima de quaisquer contemplações que outros poderiam ter, avançando para onde mais lhe convém num determinado momento.

Aconteceu assim no PS onde, depois de juras e promessas de pacificação, derrubou António José Seguro para partir à conquista do poder nacional. Repetiu-se mais tarde quando antecipou que não ia ganhar as legislativas e podia ficar atrás do PSD (como ficou), abrindo discretamente portas de negociação com PCP, Verdes e Bloco ainda antes da consulta eleitoral. Preparou assim os ingredientes para o monumental cozido que é a geringonça que serve ao país para satisfação geral como se vê pelas sondagens. Em coerência, depois de não vencer as legislativas, Costa deveria ter-se afastado, pois foi ele que justificou os ataques a Seguro referindo que na política ganhar por poucochinho não chega.

António Costa respira e transpira política tacticista por todos os poros e, como Marcelo, sabe estar na posição certa no momento certo e com o discurso apropriado para cada circunstância, seja dramática ou festiva. Ali não há acasos nem amadorismos. Há inteligência, tacticismo e intuição pura e dura. Há ainda uma máquina que hipervaloriza o positivo e varre o lixo para debaixo do tapete, aproveitado a anestesia mediática que ocorre na comunicação social, seja televisiva, radiofónica, impressa ou online. Nunca o maniqueísmo esteve tão presente. Só há branco e preto. Não havendo oposição partidária (como ainda agora se viu no Pontal), quem critica minimamente a geringonça é praticamente apelidado de fascista. Já quem apoia a solução de governo ou a justifica sempre é acarinhado ou mesmo endeusado. Por sua vez, quem concorda ou discorda consoante os casos e a sua consciência é marginalizado. Daí que se verifiquem oscilações internas jamais vistas, nomeadamente no PS, onde se votou numa ocasião o apoio unânime à candidatura de Rui Moreira ao Porto e mais tarde a sua rejeição com a mesma unanimidade. Notável!

O mais recente exercício de oportunidade política de Costa foi a notícia de que Francisco George, o carismático Director Geral de Saúde que Portugal admira com razão, foi escolhido para presidir à Cruz Vermelha, função a que apenas se chega com a bênção do governo, falando-se ainda da hipótese de Maria de Belém poder assumir a administração do Hospital da Cruz Vermelha. A escolha de George é genial, porque é claramente a pessoa indicada para representar e prestigiar a organização. Por outro lado, retira-se de cena, sem o magoar e aos 84 anos, o ex-ministro Luís Barbosa, oriundo do CDS e ali colocado por Paulo Portas depois de este ter saneado sem apelo nem agravo Maria Barroso e toda a sua equipa, onde pontificava Miguel Veiga. Deixa-se, entretanto, de considerar outras personalidades que terão chegado a ser conversadas e sondadas e que eventualmente souberam pelos jornais da escolha de George.

A propósito de Maria de Belém cabe recordar que, aquando das presidenciais, o líder socialista começou por dar corda a Sampaio da Nóvoa, chegando ao ponto de mandar Carlos César e muitos militantes à apresentação da candidatura no teatro da Trindade, para depois optar por não apoiar ninguém. Foi uma prova mais de que a mestria de Costa é rara. Até mesmo quando as entradas não correspondem ao prato principal, elas impressionam e o comensal tende a esquecer um mau resultado final. Veja-se o verdadeiro alarido que o “Chef” Costa fez (e bem) depois das conversas impróprias do holandês Dijssebloem sobre os povos do sul, praticamente exigindo a sua saída imediata da presidência do Eurogrupo. Não valeu de nada e o outro continua sentado à mesa todo pimpão. Mas ele que se cuide porque Costa sabe que a vingança é um prato que se come frio.

No meio destes molhos de brócolos, uma coisa é verdade. A ementa que António Costa tem no seu cardápio e que vai servindo ao país e à Europa é digna de elogios da crítica, merecendo louvores sucessivos, apresentando-se bem confeccionada, em ambiente acolhedor e sereno, permitindo um crescimento permanente como se viu ainda ontem pelos números do INE. Resta ver se até ao fim do ano as grandes agências nos melhoram a nota, pondo-nos mais ou menos ao nível de uma estrela Michelin, o que seria excelente, desde que depois não abusássemos de calorias e tivéssemos de voltar a uma dieta magra, servida à moda da troika.

Jornalista