Aquilo a que estamos a assistir com o governo da geringonça é ao verdadeiro colapso do Estado, especialmente nos setores mais essenciais ao seu funcionamento, a administração interna e a defesa. Na administração interna, assistiu-se à morte de 64 pessoas num incêndio por terem falhado todos os mecanismos de proteção que ao ministério competia assegurar. Na defesa, assistiu-se ao roubo de material de guerra que, provavelmente, já estará em mãos terroristas, tendo falhado todos os sistemas de vigilância que competia ao Exército manter. No estrangeiro assiste-se a tudo isto com enorme perplexidade, receando- -se até que o material que se deixou escapar possa ser usado em atentados no estrangeiro, com graves danos para a segurança de outros países europeus.
Perante acontecimentos desta gravidade, a geringonça, que beneficia de uma maioria, um governo e um presidente, insiste em continuar como se nada se passasse. A ministra da Administração Interna derrama lágrimas no parlamento, enquanto no seu ministério os serviços passam vergonhosamente as culpas uns aos outros, sem que ninguém assuma as suas responsabilidades. No Ministério da Defesa, o ministro diz que assume a responsabilidade política do sucedido, mas não tira daí quaisquer consequências. Pelo contrário, como no xadrez, aquilo a que se assiste é ao sacrifício de peões, no caso cinco comandantes militares que foram exonerados, ao que se disse, para não perturbarem a investigação. Logo a seguir veio, porém, afirmar–se que a exoneração era temporária e poderiam, mais tarde, voltar aos cargos. Se isto não é desprestigiante para as nossas Forças Armadas, não sei o que mais poderá desprestigiá-las.
Mas o Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, a quem deveria competir assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, não se importa nada com isto e só se preocupa em salvar o seu querido governo. Ainda antes de qualquer investigação, declarou que se fez tudo o que poderia ser feito em Pedrógão Grande e agora apareceu a querer diluir a responsabilidade do furto de material de guerra, invocando furtos anteriores ocorridos noutros países. Ao mesmo tempo, nada fez perante a escandalosa exoneração dos cinco comandantes militares, ainda antes de qualquer investigação ter sido efetuada.
António Costa bem pode continuar sem responsabilizar nenhum dos seus ministros, com a complacência de Marcelo, que prefere distribuir os seus afetos e as suas selfies numa campanha eleitoral permanente. Graças à geringonça, Portugal tornou-se, em 2017, um Estado falhado. Se cá dentro ainda não se percebeu isso, no resto do mundo, esse qualificativo não suscita quaisquer dúvidas.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Escreve à terça-feira