A temática dos incêndios continua a ocupar toda a agenda política e mediática. Não podia ser de outra forma. Sessenta e quatro mortos, mais de 200 feridos, um sem-número de desaparecidos e centenas de pessoas com vidas despedaçadas não se esquecem. Não podem mais ser esquecidas. Precisamente para que o país não esqueça, o Presidente da República marcou, e bem, a viragem do tempo político: controlados os incêndios, estando os cidadãos das zonas afetadas a ser amparados pelo país solidário, que é muito maior do que o Estado, as energias dos atores políticos têm de ser concentradas no apuramento das responsabilidades.
Nenhuma pergunta pode ficar sem resposta. Nenhuma dúvida pode ficar por esclarecer, nenhuma pedra por virar. Doa a quem doer, a verdade tem de ser conhecida, e quem não a promover não serve para assumir responsabilidades. Portugal tem de saber o que se passou para que a história trágica, há muito anunciada, não se repita noutro pinhal do interior com outras aldeias de portugueses esquecidos.
O povo diz que o tempo cura tudo. Mas não podemos curar a ferida aberta em Pedrógão Grande se não tivermos verdade e honestidade no debate público. Lamento que, depois de um primeiro momento de consternação, boa parte da classe política não tenha sabido honrar a memória dos que partiram. Não tardou para começasse o choradinho do governo, numa tentativa de desresponsabilização. Onze dias depois da tragédia, continuamos sem saber o que se passou. Continuamos sem saber quem é o responsável ou responsáveis pelo falhanço brutal do Estado com aquelas gentes.
Onze dias depois da tragédia, o país contínua envolvido em nuvens de cinza. Sem liderança e sem caminho.
Paradoxalmente, esta ignorância a que deliberadamente nos votam permite-nos formular algumas certezas. A primeira certeza é que o governo ainda não encontrou um rumo para gerir esta crise. Se o tivesse, já teríamos respostas a muitas das dúvidas anteriores. Ou mesmo não tendo respostas, pelo menos teríamos tido ação e vigor político na resposta ao terror dos fogos. Não tivemos nenhum deles.
Pior do que isso, o governo cometeu um erro de palmatória em toda a comunicação de crise: tentou maquilhar a catástrofe. Ora culpando a trovoada (quando a ignição se deu antes dela); ora ziguezagueando nos números (que a cada briefing foram destruídos por uma realidade brutal); ora garantido que não houve falhas operacionais e políticas (quando toda a gente assistiu em direto às evidências); ora desconhecendo o número de desaparecidos (11 dias depois).
A segunda certeza que podemos ter tem a ver com o que foi dito antes: tudo o que podia correr mal correu, de facto, muito mal. Apoio tardio a quem tentava escapar do fogo, populações sem socorro, fracasso nas comunicações, descontrolo emocional, pânico generalizado (não apenas entre populares), ajuda espanhola mandada para trás, corpos colados ao alcatrão que foram conservados em camiões impróprios… Tanta coisa que não podia correr mal, e correu.
Houve muitos falhanços. Mas o pai de todos os falhanços dá pelo nome de SIRESP. Um sistema pelo qual os portugueses pagaram (pagam?!) centenas de milhões de euros, mas que deixa de dar resposta nas condições extremas para as quais, em tese, foi criado e que justificam a sua existência.
O SIRESP é uma daquelas ruinosas PPP em que o Estado nos enfia de tempos a tempos. Talvez a pior de todas elas. É um clássico: na maioria das PPP, o lucro fica nos privados e o prejuízo passa para o público. O risco está todo do lado público, é verdade, mas ao menos há um serviço prestado ao país. Não no caso do SIRESP. Aqui, o contribuinte paga, tem todo o risco do seu lado e nem sequer tem direito ao serviço.
O SIRESP é um consórcio de falidos. PT, BPN, BES… estão todos lá.
Surpreendido com as falhas? Sendo o SIRESP um consórcio de especialistas em criar buracos, a única solução que resta ao primeiro-ministro é olhar estes senhores nos olhos e dizer-lhes em nome do país: “Não servem, vão à vossa vida e nem sequer pensem em pedir-nos mais um tostão que seja. Já pagámos um preço demasiado alto por termos confiado em vós.”
Haja coragem para fazer o que tem de ser feito. Denunciar o SIRESP é apenas um primeiro passo de um longo caminho de reconciliação de Portugal consigo mesmo.
Escreve à quarta-feira