As guerras do alecrim e da manjerona criadas em torno da candidatura à Agência Europeia do Medicamento (em inglês EMA) demonstram bem o estado dos nossos políticos. Em primeiro lugar, devemos começar por criticar esta corrida aos despojos do Brexit. Ainda nem se iniciaram as negociações para a saída do Reino Unido e os seus proclamados parceiros europeus já reclamam cada um para si uma fatia do bolo. Mas em Portugal, pelos vistos, a guerra começa por ser interna, sendo que diversas cidades, ainda antes de o país receber sequer uma migalhinha desses despojos, já se guerreiam entre si para saber qual delas se deve candidatar à magnífica agência. E os políticos, minados por solidariedades regionais, participam furiosamente nessa guerra, à qual antes não ligaram absolutamente nada.
O assunto começou com o governo de António Costa a anunciar a candidatura de Lisboa à EMA, decisão exclusivamente do Governo. O Parlamento congratulou-se por unanimidade com essa iniciativa, no espírito de que quem se solidariza com causas perdidas, uma vez que a hipótese de a EMA vir para Portugal é mínima. Mas, no Porto, com a disputa autárquica a aquecer, houve logo quem se lembrasse de proclamar que esta era a demonstração do radical centralismo lisboeta. Engolindo em seco, logo houve um deputado do Norte que resolveu imitar Egas Moniz de corda ao pescoço, e pedir desculpa pelo seu voto, dizendo que não se tinham apercebido bem do que estava a votar. Outro deputado, desta vez no Parlamento Europeu, e que por isso nada tinha votado, resolveu aproveitar para chamar “cigana” a outra deputada do seu partido, que estaria feita com os centralistas. O líder do partido ameaçou logo com a expulsão desse deputado, indicando em antecipação a pena que lhe deveria ser aplicada por um conselho de jurisdição supostamente independente.
Mas o governo, que tem feito profissão de fé numa descentralização, que não passa de uma regionalização encapotada, a qual quer impor contra tudo e contra todos, não aguentou ser acusado de centralista pelas gentes do Norte. Em consequência, decidiu ser ainda mais papista do que o papa, e retirou a candidatura de Lisboa à EMA, a qual passará a ser decidida por um comité composto por iguais representantes de Lisboa e Porto. Face ao nível que já se atingiu nesta guerra, duvida-se que esse comité seja capaz de decidir o que quer que seja.
Com toda esta brincadeira já se adivinha que não vai haver EMA nenhuma, nem em Lisboa, nem no Porto, que é para aprenderem. A não ser que alguém nas instituições europeias ache que esta é a oportunidade única para se descobrir um medicamento que evite a tentação compulsiva dos nossos políticos para o disparate. Se não for para isso, a agência não faz cá falta nenhuma. Mas este episódio serve para demonstrar quais serão os efeitos da regionalização encapotada que o Governo se prepara para impor ao país.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira