O Presidente da República encontra-se no vértice do nosso sistema político, possuindo importantes funções de controlo dos restantes órgãos de soberania, designadamente através do veto político e do controlo prévio da constitucionalidade dos diplomas. Ora, Marcelo Rebelo de Sousa praticamente não exerce esses poderes, promulgando de cruz todos os diplomas que lhe são submetidos, por muito aberrantes que os mesmos sejam. É assim que quando o parlamento, numa violência brutal sobre senhorios com rendas congeladas há dezenas de anos, decide prorrogar esse congelamento de rendas por mais oito anos, o Presidente lava as mãos do assunto, alegando simplesmente que “traduz posição programática do Governo e da sua base de apoio parlamentar”. Pilatos não diria melhor…
Em compensação pela ausência de exercício dos seus poderes, o Presidente dedica-se a muitas outras tarefas. Toma banhos de multidão, distribui beijinhos às senhoras, tira constantemente as selfies da praxe e está sempre a anunciar ao país as boas novas no plano económico, muitas vezes até acima do que o próprio governo estima. Perplexo com tanta ajuda presidencial, António Costa até veio dizer que não conseguia competir em otimismo com o Presidente, porque ele seria imbatível. E, de facto, vai ser imbatível nas próximas eleições presidenciais, estando Marcelo já em campanha. É assim que nas comemorações do 10 de Junho não lhe basta ficar em território nacional, aproveitando sempre para ir visitar os países onde há emigrantes portugueses. No ano passado foi a Paris (”teremos sempre Paris”) e este ano foi ao Brasil, o que causou um incidente diplomático, uma vez que teve de ser cancelado na hora um encontro com Michel Temer. Neste momento, a prudência elementar desaconselharia qualquer viagem do Presidente português ao Brasil, atenta a crise de legitimidade que afeta o chefe de Estado brasileiro. Mas Marcelo vive da popularidade e dos afetos, não tendo paciência para coisas menores como questões de Estado. Só é pena que não se tenha lembrado de ir comemorar o 10 de Junho para a Venezuela, onde de facto há problemas muito sérios para os nossos emigrantes, a quem talvez tranquilizasse uma visita do Presidente português.
Mitterrand disse uma vez de De Gaulle que a sua presidência era o golpe de Estado permanente. Marcelo faz antes da sua Presidência uma campanha eleitoral permanente. O problema é que durante uma campanha eleitoral não se exerce o cargo. Ora, Marcelo foi eleito para ser Presidente, não para estar permanentemente em campanha.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Escreve à terça-feira