Portugal, país das zebras


Em Portugal, o que nos falta em organização abunda em improviso, falta de planeamento e desenrascanço. Daí o listrado das zebras que por aí prolifera nas atitudes e nas concretizações materiais


Não, apesar da descrença disparatada do inquilino da Casa Branca nas alterações climáticas, os seus impactos ainda não têm a relevância de reproduzir a savana africana em Portugal. Nem tão pouco há um qualquer surto zoológico que coloque a zebra no plano dos animais invasores das paisagens autóctones.

Em Portugal, o que nos falta em organização abunda em improviso, falta de planeamento e desenrascanço. Daí o listrado das zebras que por aí prolifera nas atitudes e nas concretizações materiais.

A anos de alcatrão e de infraestruturas rodoviárias como se não houvesse amanhã sucedeu-se um pousio de quatro anos de suspensão de obras novas, de ausência de manutenções e de ativos desleixos de segurança rodoviária, como a redução da iluminação da rede viária, alguma dela sujeita a pagamento de portagens. O Estado não fez e anuiu a que as concessionárias tivessem similar atitude. Depois de ter sido anunciado o virar de página da austeridade, julgava-se que a ação teria correspondência com os discursos, mas não. Sem fundos comunitários para manutenção de infraestruturas – por vezes, o mais fácil é fazer –, sem recursos nacionais para realizar as intervenções necessárias, desde logo as de manutenção da rede viária existente, e com os municípios sem disponibilidades financeiras para acorrer a esta responsabilidade alheia, as estradas nacionais estão, na esmagadora maioria dos casos, num estado lastimoso de conforto e de segurança rodoviária.

Neste quadro de passivos acumulados, lesivos da vida quotidiana dos cidadãos, da atividade dos agentes económicos e dos passeios dos representantes da gloriosa galinha de ouro do crescimento económico – os turistas –, irrompeu um novo fenómeno e tipologia de infraestrutura rodoviária: a estrada-zebra. São aquelas vias em que, após muita pressão local, há um impulso de intervenção central que se traduz no remendo do betuminoso, qual listra de zebra, até que a degradação volte à tona da evidência. E é assim que, em alguns pontos do país, apesar de tudo privilegiados porque houve um esboço de ação da empresa Infraestruturas de Portugal, percorremos quilómetros zebrados que alternam com outros em mau estado de conservação, até em territórios turísticos como a EN 125 no Algarve. É o triunfo do remendo.

É também do domínio do listrado da zebra o que os portugueses têm vivido nos últimos anos em matéria de direitos. Ora têm, ora não têm, num ioiô de incerteza que decorre de opções políticas, sem a adequada ponderação da sua sustentabilidade no futuro.

É zebrada a gestão de funções do Estado em que as opções orientadas para a obtenção de determinados objetivos não cuidam de assegurar, a todo o tempo, as medidas necessárias para que não existam listras brancas e listras pretas, consoante existem ou não recursos que são necessidades permanentes.

Quando soam notícias de que existem despesas de saúde, com as farmacêuticas e outros fornecedores do Serviço Nacional de Saúde, que estão a ser acumuladas para não agravar os resultados da gestão e o défice, é a listra da zebra que se manifesta.

Quando é evidente que, na segurança e na proteção civil, o investimento não é feito de forma a assegurar uma boa gestão dos recursos humanos e materiais, sem descontinuidades, incapacidades ou desânimos, é a listra da zebra que está presente.

Depois de refletir sobre quais devem ser as funções do Estado que devem ser mantidas como essenciais, só mesmo a síndrome do listrado da zebra pode impedir que se defina quais são as necessidades de recursos humanos e de meios materiais para assegurar o cumprimento das obrigações e que, todos anos, qualquer que seja o governo ou a maioria, se concretizem os investimentos necessários à reposição da capacidade operacional. É assim nos Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nas forças de segurança e em muitos setores em que a responsabilidade estatal não tem correspondência com os recursos disponibilizados. Até um dia. Aquele em que corre mal e o investimento tem mesmo de ser realizado, à pressa, em estado de necessidade.

Enquanto o listrado da zebra prevalecer, apesar da eufórica confiança em vigor, boa parte do êxito será obra do acaso e das circunstâncias, sem sustentabilidade e sem grande futuro. A continuar assim, futuro só para esta expressão da zebra, animal de Portugal, por incrível que pareça. Já não bastavam os elefantes nas lojas de porcelana, agora as zebras. Muita fauna à solta!

Notas finais

Ignorado. O problema existia, o problema existe, o que não faz sentido é haver uma cimeira parlamentar ibérica e uma cimeira entre os governos em que todos fingem que não se passa nada. A Realpolitik tomou conta do panorama e vergou as vozes à esquerda que tanto falavam no passado. À direita, depois do silêncio no passado, agora falam. Tarde, mas falam.

Distraído. Pode haver quem ache que os outros podem viver do ar, mas estamos em junho e há organismos que ainda não receberam um cêntimo do Estado, por exemplo no desporto. As cativações, a gestão a empurrar com a barriga e a rota do défice já fizeram com que alguns tivessem de ir à banca para pagar despesas correntes.

Chico-esperto. A SIC alberga o comentário político-partidário, parcial e sem memória do passado político, de Luís Marques Mendes. Sábado à noite apresenta o candidato do PSD ao município da Arruda dos Vinhos, no domingo fala sobre as autárquicas com visões enviesadas. Que a personagem não se leve a sério, é normal, o que não o é é a SIC permitir-se esta chico–espertice.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira