Seis décadas após a sua fundação, a União Europeia – antes CEE e outrora Mercado Comum – é dominada por uma casta de eurocratas e por um ministro das Finanças todo-poderoso, inválido e cruel, que comandam uma multidão de políticos anexos e submissos, beatificamente rendidos às 12 estrelas douradas e às cores azul e branca do manto da Virgem Maria. É verdade. E ainda hão de fazer da santa aparecida há cem anos na Cova da Iria, em Fátima, a padroeira dessa fictícia união totalmente controlada pelos eurocratas, a alta finança e a Alemanha.
Ao contrário do que proclamam as suas figuras tutelares e os seus epígonos, esta União Europeia é tudo menos “solidária e harmónica”, é tudo menos “unida na diversidade”. E reage a todas as críticas que lhe são dirigidas como Salazar reagia às críticas das diferentes oposições. Para este, todos os opositores ao Estado Novo eram comunistas, mesmo que o não fossem. Para os donos da União Europeia, todos os seus críticos são antieuropeístas, mesmo que o não sejam. E nisto se baseia a miserável chantagem que exercem sobre os eleitorados europeus.
O sonho dos eurocratas é o da despolitização e consentimento generalizado dos europeus, das eleições irrelevantes (“a Europa não pode ficar refém de eleições”, disse Jean-Claude Juncker), eleitorados condicionados por uma “docilidade geral”, apoiantes incondicionais das imposições da UE, e referendos peculiares em que só será válida uma resposta: o sim.
Laura Nader, antropóloga da Universidade de Berkeley, afirma que a maior parte dos sistemas opressores, colonialismo e globalização incluídos, recorrem a uma “ideologia da harmonia como mecanismo de controlo social”. “Harmonia” esta que nada tem a ver com uma autêntica harmonia social. Pelo contrário, é propícia a uma censura e autocensura que não ousam dizer o nome e à prática de uma tirania que põe em causa a própria democracia. Levada ao extremo, tal “harmonia” transforma a vida numa ilusão impermeável à realidade, penetrando sub-repticiamente na cultura para a degradar. Num mundo único, um pensamento único. Divergir ou pensar de modo diferente é populista e subversivo. O sonho dos eurocratas é o “sono” dos europeus.
Mas será possível mudar e democratizar a União Europeia? Teoricamente, sim. Na prática, não creio! Eis uma amostra do que seria preciso fazer: reforçar os poderes do Parlamento Europeu; nomear a Comissão Europeia através do PE, para garantir a sua legitimidade democrática; novo estatuto do euro que garanta simetrias, equilíbrio e igualdade entre os povos; definir a UE como zona de autossuficiência financeira, tornando-a imune às exigências da alta finança; criar um imposto sobre transações financeiras para desincentivar a especulação e promover a atividade produtiva; proibir as agências de rating privadas de qualificar os títulos da dívida pública; proibir bancos e empresas europeias de terem atividades e filiais em paraísos fiscais; renegociar as taxas de juro excessivas a que alguns países tiveram de se endividar; reestruturar as dívidas públicas insustentáveis; pôr cobro ao dumping fiscal entre países da UE; reformar o sistema bancário, recentrando os bancos na distribuição de crédito, proibindo-os de especular e de financiar a especulação, e restabelecendo a separação entre bancos de depósitos e bancos de negócios; reformar o estatuto do BCE, obrigando-o a prestar contas perante o PE e a proteger os Estados-membros da zona euro dos ataques dos especuladores financeiros; impor a garantia das dívidas públicas pelo BCE, para que os países possam financiar-se a dez anos à taxa de 2 %, sem risco; garantir uma firme coordenação das políticas macroeconómicas e a redução concertada dos desequilíbrios comerciais entre países da UE, num quadro em que os países com excedentes importantes financiem os países deficitários através de investimentos diretos ou de empréstimos a longo prazo; etc., etc., etc. Alguém acredita que isto seja possível? Creio que não! É muita areia para a camioneta dessa “fraca gente” no poder pela Europa fora. Mas é pena!
Escreve à sexta-feira