Donald Trump cabe, como numa luva, na figura do paranoico que conquista o poder. Encaixa perfeitamente naquilo que o psicossociólogo Eugène Enriquez caracteriza como paranoia no seu livro “Clinique du pouvoir – Les figures du maître”. Para o paranoico – que dá corda à sua imaginação delirante –, tudo é possível para quem quer transformar o mundo: dos sonhos mais desmesurados às mentiras mais grosseiras, das simplificações mais excessivas aos empreendimentos mais delirantes, proclamando que o paraíso é na terra e que o real é aquilo que quisermos imaginar e pôr em prática.
Este discurso grandiloquente, próprio de um megalómano narcisista, é sempre escutado pelas massas porque promete grandeza, pureza, exigência e culto do herói – além de estrita obediência. No caso de Donald Trump, trata-se de prometer um grande país reconciliado consigo próprio (América First!), um banquete triunfal no qual só se sentarão os eleitos, um acting-out permanente, uma inversão total da ordem das coisas e a negação de todo e qualquer limite – tudo dentro da mais estrita ordem. Como resistir a um programa assim, que oferece tudo e de forma constante?
Claro que convém dissimular a dívida a pagar, o sacrifício de gerações, a dureza do empreendimento. Mas este irá por diante e cada conquista será obtida repentinamente, como uma Blitzkrieg. É assim que o chefe paranoico vai edificar o novo sistema, guiado por um mito instaurador: o das origens. Antes dele, nada aconteceu. É ele quem vai dar à luz um novo universo, é ele o herói criador, o verdadeiro, o único, é ele o garante da ordem nova, é ele que vai fazer a história, é ele que vai engendrar a verdadeira lei.
O chefe paranoico considera-se todo-
-poderoso, sem a angústia da castração, para sempre inatingível, liberto da ameaça de morte. O que ele faz é executado com um sentimento de impunidade total. Porque ele crê na sua imortalidade.
Mais prosaicamente, o Trump paranoico é um hábil intérprete da retórica populista, do discurso demagógico característico da idade democrática e da era das massas, numa sociedade de comunicação dominada pela televisão. Com esta, a demagogia inaugurou um novo regime que podemos caracterizar como neopopulista, essencialmente regido pelas estratégias de construção da imagem – como salienta Pierre-André Taguieff no seu livro “L’illusion populiste – de l’archaïque au médiatique”. Através do apelo ao povo, fundamento essencial do estilo populista, o demagogo moderno põe em prática diversos processos de manipulação das massas, transformando o populismo num clientelismo carismático que atua no tempo imediato e cujo propósito fundamental é o de fazer sonhar ou, mais exatamente, enganar a populaça.
O esquema povo versus elites foi explorado na sua plenitude por Donald Trump ao assumir um discurso anti-establishment, antiurbano (contra Washington), xenófobo, anti-imigrantes, nacionalista e racista – a fazer lembrar o populismo reacionário (contra os direitos cívicos dos negros) do governador do Alabama nos anos 1960, George Wallace, e também do líder de extrema-direita britânico nessa mesma década, Enoch Powell, que incitava a uma total hostilidade contra os imigrados e rejeitava qualquer aliança económica com os países do continente europeu.
Demagogo, telegénico, grande comediante da era da videopolítica – para usar uma expressão de Giovanni Sartori –, Donald Trump corresponde exatamente ao tipo de líder populista que é, regra geral, um homem de negócios ou um empresário bem-sucedido que, por isso, permite identificações imaginárias muito fortes (como, por exemplo, Ross Perot nos EUA, Silvio Berlusconi em Itália, Fernando Color de Mello no Brasil ou Bernard Tapie em França).
O demagogo telepopulista é uma nova representação histórica do salvador da pátria, reconhecido como tal por aquilo que ele próprio designa, em privado, por populaça. O telepopulismo é um populismo adaptado às exigências da mediatização televisiva. No telepopulismo, o apelo ao povo colhe o essencial da sua eficácia simbólica nos recursos próprios do espaço mediático e na competência telegénica dos líderes políticos. Recorre a uma estratégia de sedução e subversão cuja mensagem central é fazer-se eco do desejo de romper com o sistema político estabelecido, com as elites políticas tradicionais, com o jogo clássico dos partidos. O processo de globalização comunicacional tem sido fator de aceleração da passagem da democracia de partidos de massas para uma democracia de opinião, ou melhor, de opiniões instantâneas, sem espaço nem tempo para o debate e a reflexão. E assim se instalou uma democracia virtual, caracterizada pela substituição do espaço público por um espaço publicitário indefinidamente alargado.
Donald Trump intuiu tudo isto e, apesar de derrotado na votação popular, conseguiu o impensável: ser eleito presidente dos Estados Unidos da América!