De Anais ao Purgatório. As terras mais originais do país

De Anais ao Purgatório. As terras mais originais do país


São muitos os casos de toponímia insólita no mapa português. Do Minho ao Algarve, o i conta-lhe a história dos nomes de 15 localidades, alguns tão antigos como o país 


Aboim das Choças
Há várias terras em Portugal e em Espanha com o nome “Aboim”. Segundo informação fornecida pela junta desta freguesia de Arcos de Valdevez, o topónimo deriva do latim [Villa] Abolini, “a quinta do Abolino”. Quem era Abolino? Há registos de que terá sido um chefe celta que andou pelo território lusitano e acabou por deixar o seu marco na toponímia até aos dias de hoje. De acordo com a freguesia, que cita “tradições antigas”, o que a diferencia são as “Choças”: o nome remonta ao século XII, quando Afonso VII de Leão e Castela edificou naquele local as tais choças (ou cabanas) para o seu exército descansar durante o Torneio de Arcos de Valdevez – batalha que perdeu. 

Anais
A explicação para este topónimo é simples: tal como muitas das terras portuguesas, o nome desta freguesia do concelho de Ponte de Lima não tem qualquer malícia: vem da sua padroeira, Santa Marinha de Anais. Nas inquirições (processos administrativos) feitas no reinado de D. Dinis, em 1290, é referida a existência da localidade de “Santa Maria de Asnãaes, estando integrada na Terra de Penela”, lê-se no site do Arquivo Distrital de Viana do Castelo. Dentro da freguesia existem outros lugares com nomes pouco comuns, como Cadramouça, Carrapata, Gramas, Talho e Turrão.

 Ancas
A página da Junta de Freguesia de Amoreira da Gândara, Paredes do Bairro e Ancas revela que o nome desta última localidade em Anadia terá resultado de uma evolução da grafia e não de uma qualquer obsessão corporal. O topónimo sofreu uma evolução ao longo de quase 900 anos – de Enchas para Encas, chegando finalmente a Ancas. A terra existe desde o século XII, altura em que D. Afonso Henriques terá doado este espaço – na altura, uma propriedade – a D. Marinha Soares. Hoje em dia, esta localidade é conhecida por uma corrida de burros que se realiza todos os anos no mês de agosto. 

Cabeça Gorda
Ao contrário do que se possa pensar, o topónimo não resulta de qualquer lenda sobre a cabeça mais ou menos gorda de quem vive nesta aldeia alentejana. Segundo a informação disponibilizada no site da Câmara Municipal de Beja, a origem do nome da terra está relacionada com o relevo do local, “um cabeço ou um monte alto” e “gordo”, como diziam os fundadores da povoação. A mesma página revela que o nome desta freguesia surge pela primeira vez em 1901. Hoje em dia residem em Cabeça Gorda 1600 pessoas. 

Carne Assada
Não há registos sobre a origem do nome desta terra no concelho de Sintra, mas já será bem antigo – Carne Assada surge nas memórias paroquiais de 1758, como explica a obra de José Alfredo da Costa Azevedo, citada pela autarquia. No século XVIII tinha 35 habitantes e 15 casas. Entre os habitantes mais velhos circulou em tempos a história de que o nome teria surgido depois de um incêndio num local onde se criava gado que deixou um cheiro a esturricado pela terra. No que toca a iguarias, os residentes de Carne Assada não estão sozinhos: há, por exemplo, as gentes de Farinheiras, no Seixal. 

Cucujães
Se até aqui os nomes faziam lembrar partes do corpo ou alimentos, este não se assemelha a absolutamente nada. Esta terra do concelho de Oliveira de Azeméis existe desde o século XII – foi coutada por D. Afonso Henriques a 7 de Julho de 1139. Segundo a informação disponível no site da freguesia, existem duas hipóteses para a origem do nome: a primeira aponta para uma derivação do latim “cucullianis”, isto é, elevação de terreno, e a segunda está relacionada com o canto dos cucos (“cuculus” em latim) que ali existiam. 

Gostei
Mais uma vez, não se sabe ao certo quando apareceu o nome desta terra. Segundo informação disponibilizada pela junta desta freguesia do concelho de Bragança, já havia referências a Gostei ainda no tempo de D. Afonso III, mais precisamente em 1258, aquando das inquirições realizadas na povoação. Nesses documentos “surgem as arcaicas grafias ‘Gostei’ e ‘Goetey’, presumindo os etimologistas que se tratará de evoluções da forma genitiva do nome pessoal germânico Gudesteus”, lê-se na página. O nome seria habitual nos séculos X e XI.

Matança
Aqui não há que enganar. Segundo a informação fornecida na página da junta desta freguesia do concelho de Fornos de Algodres, o nome desta terra vem mesmo de uma batalha sangrenta ali travada. Uns dizem que terá sido disputada entre romanos e bárbaros; outros, entre cristãos e árabes. Esta segunda opinião é defendida em manuscritos citados pela junta de freguesia que fazem referência ao ataque dos cristãos aos sarracenos naquele local. Matança lembra assim o grande número de muçulmanos que ali morreram. 

Minhocal
Esta freguesia no concelho de Celorico da Beira é muito antiga, mas nem sempre esteve no atual povoado. Uma praga de formigas na anterior localidade, a Quinta de São João, levou os habitantes a procurar, a certa altura, um novo poiso. No Minhocal existe um ribeiro que deixa as terras mais húmidas, o que pode explicar a origem do nome: os vermes habitam em terrenos como os que existem neste local. Aparentemente, não têm causado incómodo e os habitantes condenados a serem perseguidos por bichos ainda não tornaram a fugir para outras bandas. 

Mioma
Não, a origem do nome desta freguesia do concelho de Sátão não tem nada a ver com questões de saúde. O site da junta de freguesia não especifica a data em que esta localidade é referida pela primeira vez nem o sentido etimológico da palavra. No entanto, há quem diga que ela deriva do árabe e significa “terra abundante em água”. A verdade é que no sopé da serra do Facho existem várias fontes e regatos que correm por todo o lado, tornando as terras mais férteis. 

Nariz
Esta é óbvia? Olhe que não. O nome desta freguesia do concelho de Aveiro não tem nada a ver com os narizes de quem ali vive. Segundo a informação facultada pelo site da autarquia, a denominação deste local deriva do nome do seu padroeiro: São Pedro de Náris, que depois ficou Nariz. De acordo com os censos realizados em 2001, esta localidade tem 1600 habitantes – apenas 275 tinham menos de 18 anos. 

Pau Gordo
É uma terra de piadas fáceis, que o diga quem lá mora. “Ao início é difícil dizer ‘vivo em Pau Gordo’. É daquelas localidades de que ninguém se esquece. Algumas pessoas que não se lembram logo do nome começam a fazer associações, como ‘Pau Grosso’ e coisas do género”, contou ao i Sandra Nunes, residente em Pau Gordo, no concelho de Cascais, desde 2010. Segundo o livro “Toponímia do Concelho de Cascais”, o topónimo teve origem num pinheiro corpulento que ali existiu em tempos distantes. 

Picha
Quando se fala de localidades portuguesas com nomes bizarros, Picha, em Pedrógão Grande, é das primeiras a surgir na lista. Ninguém sabe ao certo a origem do nome, mas existem alguns palpites. “Já ouvi dizer que surgiu porque nesta zona existiam muitos picheleiros”, contou ao i uma funcionária da junta de freguesia. Chamam-se picheleiros aos canalizadores ou a artesãos de estanho. A verdade é que a origem deste topónimo continua por descobrir mas, segundo a mesma fonte, os habitantes vão resistindo às brincadeiras, orgulham-se do nome peculiar e não defendem qualquer alteração. 

Purgatório
Há muitos anos, esta terra algarvia era um verdadeiro purgatório para mulheres e filhos. Aqui existia uma taberna onde os homens paravam para beber um copo depois da missa aos domingos e dias santos. “Ali poisavam mais tempo, por não ser dia de trabalho, e entretinham a conversação molhando a palavra, até que se esqueciam da casa e do jantar (…) Isto repetia-se sempre e por forma que as pobres mulheres, quando se encontravam e lastimavam a sua vida, desafogavam os seus queixumes exclamando: ‘Aquela casa é o nosso Purgatório!’”, lê–se na monografia de Paderne, disponibilizada pela junta de freguesia. 

Vale dos Azares
Reza a lenda que, há muitos anos, esta freguesia do concelho de Celorico da Beira se chamava Vale de Flores e nela habitavam um fidalgo, a mulher e dois filhos, um rapaz e uma rapariga. A vida era perfeita até que a sorte mudou. O filho do fidalgo arranjou uma namorada e, um dia, quando se deslocava a cavalo para visitar a amada, caiu e bateu com a cabeça numa pedra, tendo tido morte imediata. A mãe, desgostosa, enlouqueceu, e a irmã suicidou-se. O fidalgo mandou deitar abaixo a casa onde viviam e mudou o nome da terra para Vale dos Azares, topónimo ainda hoje usado.