Nuno Centeno. “Quando estava tudo a afundar percebi que, se conseguisse nadar bem, ia aparecer”

Nuno Centeno. “Quando estava tudo a afundar percebi que, se conseguisse nadar bem, ia aparecer”


Recentemente considerado um dos dez negociadores de arte mais respeitados da Europa pelo artnet, o galerista do Porto recebeu-nos em Lisboa no espaço que inaugurou em 2014 com Bruno Múrias, uma expansão do projeto que foi construindo com artistas ao longo dos últimos dez anos


As cortinas metálicas de Daniel Steegmann Mangrané que fechavam o stand da Múrias Centeno na ARCO Lisboa deram à galeria de Bruno Múrias e Nuno Centeno um dos lugares de maior destaque na cobertura feita pela imprensa à primeira edição da feira de arte contemporânea de Madrid em Portugal. Não havia como não. Na Frieze de Londres, foram considerados o melhor stand pelo “The Art Newspaper” e postos entre os dez melhores pelo artnet, que recentemente colocou Nuno Centeno entre os dez negociadores de arte mais respeitados da Europa. Numa época de crise e de austeridade, diz o artigo, foi capaz de se expandir do Porto para um novo espaço em Lisboa, enquanto ganhava relevância internacional, representando artistas como Dan Rees ou Max Ruf.

Nuno Centeno acena-nos da janela do escritório quando passamos na Rua Capitão Leitão, na zona oriental de Lisboa, para onde nos últimos anos se têm mudado várias galerias e artistas. Aos 37 anos, Centeno tem a vida dividida entre o Porto, onde nasceu e abriu a sua primeira galeria, Lisboa, onde abriu a segunda, já com Bruno Múrias, em 2014, e os lugares que forem precisos. “Passamos em média dez dias fora por mês, em viagens.” Foram muitos anos de muito trabalho, mas o esforço afinal valeu a pena, conclui no balanço que faz ao fim de dez anos a trabalhar. Uma conclusão que as distinções recentes vêm confirmar.

“Mas isto não significa nada”, assevera. “Foi só um capítulo. Agora o objetivo com o Bruno Múrias é tornar tudo mais profissional, para deixarmos de ser uma galeria emergente recentemente estabelecida e irmos para a parte difícil, que é sermos uma galeria grande respeitada. Agora é que vai começar.”

Mas quisemos saber como chegou aqui, ele que estudou para ser artista, não se imaginava outra coisa. “Cresci no meio de artistas, o meu pai [o pintor Sobral Centeno] é artista.” Viveu cinco anos fora, estudou no Rio de Janeiro, o resto passou de mochila às costas pela Europa. Londres, Berlim, Amesterdão. “A cada cidade que eu chegava sozinho, de mochila, sempre, pensava ‘vou fazer aqui o meu cantinho’. Trabalhei em várias coisas, por opção. Bares, lojas, restaurantes, arranjei sempre ferramentas.” Diz que com uma galeria é a mesma coisa, sobretudo numa época de crise. 

O Princípio Regressado a Portugal foi a incapacidade de se fixar num género que o fez mudar de ideias sobre o que queria fazer da vida. “Percebi que gostava mais de representar artistas do que de ser artista, porque ao representar artistas podia viver vários estilos da arte contemporânea através do outro. Com a Carla Filipe tenho uma experiência, com o Mauro Cerqueira tenho outra experiência, são uma série de emoções que se vão vivendo com cada artista e com cada obra.”

Carla Filipe e Mauro Cerqueira são justamente dois dos artistas que estão com Nuno Centeno desde o princípio. Cresceram juntos, ele como galerista, ao lado deles, artistas. Foi mesmo há dez anos, ainda no Porto, que Nuno Centeno abriu a sua primeira galeria, uma pequena sala num segundo andar de um edifício antigo perto da Rua Miguel Bombarda, no Porto. Chamou-lhe Reflexus. “Pensei: ‘Se encontrar uma sala boa, vou abrir uma galeria’ e vi aquele espaço, que tinha uma renda barata. Se vendesse uma obra por mês conseguia pagá-la. Começou assim, literalmente assim, era mensal, não houve nenhum investimento:se eu vender este mês, a exposição acontece. Era completamente DIY.”

Nessa altura, imediatamente antes do princípio da crise, havia gente a comprar arte em Portugal, recorda, havia apoio, mas havia também a concorrência das galerias que já existiam e estavam consolidadas. “Apareci numa altura em que ninguém estava a olhar, mas continuei a trabalhar, era um bocado estar a trabalhar sem ninguém estar a olhar.” Foi ao fim de dois anos que conseguiu começar a ganhar uma certa visibilidade, mas foi também aí que rebentou a crise.

“As pessoas deixaram de comprar, deixou de haver imprensa, foi tudo mesmo muito mau. Galerias a fecharem, artistas a desistirem. Há o momento em que cai tudo, eu continuei a trabalhar e as pessoas começam a falar. Quando vinha a Lisboa, as pessoas conheciam, falava-se mesmo muito e eu comecei a perceber:‘Não, este é o melhor momento, é o momento em que vou estar em todo o lado.’ Quando estava tudo a afundar, percebi que se conseguisse nadar bem ia aparecer”, recorda. E assim foi. Dois anos e muitas viagens a Londres depois, onde manteve durante um projeto que juntava artistas locais com portugueses, ganhou coragem para mudar o nome da galeria para Nuno Centeno.

E a Centeno não parou de crescer, começou a internacionalizar-se, até não haver mãos para agarrar tudo. 

Múrias Centeno “Tive muitas propostas de colecionadores: “Eu dou-te dinheiro, vamos fazer um projeto”. Nunca foi o que procurei. Queria alguém que pudesse trabalhar tanto como eu, e o Bruno foi isso. Já nos conhecíamos, eu via-o em feiras e quando soube que tinha deixado a [galeria] Filomena Soares encontrei-o por acaso e foi ‘O que é que vais fazer agora?’; ‘Não sei’; ‘Devias era trabalhar comigo’; ‘Estás a falar a sério?’ Começou assim, juntámo-nos, transformámos o nome de Nuno Centeno para Múrias Centeno, que era o mais óbvio, e foi o melhor que podíamos ter feito, porque as coisas estavam a ponto de rebentar e quando ele entrou foi só juntar esforços e ampliar o que já estava a acontecer. E trabalhar como loucos.” 

Abriram então um novo espaço, em Lisboa, ao mesmo tempo que mantiveram o do Porto, que querem transferir para um maior nesta que consideram ser uma nova fase da Múrias Centeno. “Vai ser uma fase diferente esta. Não digo que vai ser mais difícil, mas a cobrança vai ser maior”, diz o galerista. “Já fizemos a nossa quota-parte em pegar em artistas muito novos e dar-lhes alguma visibilidade, acho que agora é pegar naqueles que já estão em média carreira e levá-los lá para cima”. 

E Nuno Centeno não parece ter grande medo de seguir em frente. “Permito-me sempre ao erro, não me importo de errar, estou-me nas tintas. Nunca me preocupou falhar nem nunca me preocupei com o fracasso. O que me preocupa sempre é querer fazer melhor, cair e levantar logo ou, antes de cair, levantar. Isso é mesmo a minha filosofia de vida: andar para a frente.”