O processo penal português tem uma estrutura clara no que diz respeito a sujeitos processuais, i.e., quem pode exercer direitos durante o processo, sempre visando o objectivo da lei: aplicar o direito e fazer justiça.
Temos, assim, os seguintes sujeitos: o tribunal, que é quem julga; o Ministério Público (MP), que é quem investiga e acusa (ou não!); o arguido, que é aquele a quem se imputa a prática dos factos suspeitos de criminosidade; o defensor do arguido, cujo papel não carece de explicitação; e o assistente (outros há que aqui irrelevam).
Centremo-nos no assistente, que constitui uma peculiaridade do direito português, posto que nos processos penais dos países da nossa família é sujeito inexistente.
Quem é o assistente? O assistente, diz-nos a lei, é um “colaborador do Ministério Público”, logo, um auxiliar na tarefa de “promover o processo”, auxiliando na investigação sobre a prática de um crime e sua autoria. Impõe–se também ao MP, por estar obrigado a um dever de legalidade estrita da sua actuação, i.e., procurar todas as provas e todos os indícios de molde a poder demonstrar todos os factos, seja os que contribuam para responsabilizar o arguido, seja os que levem a concluir pela sua não responsabilidade. O mesmo para o assistente, consequentemente, pois a prova é indivisível!
Consequência: o assistente, como “colaborador” do MP, tem sempre de ser alguém que, materialmente, objectivamente, “possa” auxiliar na “descoberta da verdade”. Mais: se a investigação passa necessariamente por “investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas”, só quem possa “participar” nessas actividades é que poderá ser assistente. Sendo proibida a investigação privada, porque só realizável através de meios reservados ao Estado, óbvio é que para ser assistente, i.e., para poder “colaborar” com o MP, tem de ser alguém que tenha dados e/ou elementos necessários à investigação, dados esses que nunca podem ter sido obtidos por vias proibidas às próprias autoridades.
Qual o significado, então, de a lei admitir que em determinados tipos de crime “qualquer um do povo” (como dizia a antiga lei) possa ser assistente? Significa algo inequívoco de que quem tem o poder de decidir se tem esquecido: é que esse “qualquer pessoa” que em certos crimes pode ser assistente tem de, obrigatoriamente, ser alguém que possa materialmente ser “colaborador” do MP. Quem nada possa aportar à investigação não pode ser aquilo que a lei não permite que seja: colaborador do MP.
O “qualquer pessoa” é, por definição, quem possa substancialmente preencher o conceito de assistente. Não o “zé-da-esquina”, não “toda a gente”! Não é conceito oco!
Infelizmente, excesso de forma, carência de substância e muito pouco bom senso e espírito reflexivo têm levado a admitir a constituição como assistentes de pessoas que, por definição, não podem “colaborar” com o MP, i.e., que por essência não podem nunca ter o papel exigido pela lei. A lei quer que os que possam “colaborar” intervenham como assistentes, mesmo sendo “qualquer pessoa” que não as demais enumeradas taxativamente.
O que a lei nunca sequer imaginou é que o estatuto fosse dado a quem, por definição, nunca pode “colaborar” com o MP senão na difusão pública daquilo que, estando no processo, para bem de uma sã justiça aí devia ficar.
Triste, triste, é que só não entende a lei quem não a quer entender…
Advogado
Escreve à sexta-feira