França: a crise da igualdade diferenciada


Os atentados de Paris impõem duas breves considerações e ao levantamento de uma questão até agora metida na gaveta, porque incómoda, mas que tem de ser analisada e revista sob pena de não se encontrar uma solução o mais completa possível para um problema complexo.


Comecemos, pois, de forma ordenada:

1) No dia a seguir aos atentados, o primeiro-ministro Manuel Valls declarou, repetidas vezes, na TF1 que a França estava em guerra. Acrescentou ainda que o inimigo será combatido em França, mas também na Síria e no Iraque. O tom, as palavras e a estratégia do socialista Valls em tudo são iguais ao que George W. Bush apregoou após o 11 de setembro de 2001. Não interessa aqui sem bem ou mal; apenas salientar a semelhança entre os dois e que, quando um país é atacado, o Estado, que tem como função essencial a defesa dos cidadãos, tem o direito de reagir da melhor forma que souber e puder.

2) Sabe-se hoje que alguns terroristas que perpetraram os ataques na passada sexta-feira entraram na Europa vindos da Síria juntamente com os refugiados. Tem sido dito que a forma como a Europa olha para estes vai mudar. Até pode ser que sim, mas não deve ser assim. A resposta europeia deve focar-se na derrota do denominado Estado Islâmico, com recurso a agentes infiltrados, incursões de tropas de elite, treino dos soldados curdos e iraquianos e até mesmo ao envolvimento directo de soldados franceses, ingleses, norte-americanos, e veremos qual o papel que a Rússia quererá assumir nesta matéria. O Estado Islâmico deverá ser destruído e um novo equilíbrio no Médio Oriente terá de ser encontrado com realismo. Por muito duro que seja dizê-lo a Europa, os EUA e a Rússia deverão trabalhar para que surjam Estados suficientemente fortes que contenham a violência e mantenham a estabilidade na região.

3) Também na Europa há muito trabalho a ser feito. Quase de propósito, a edição da Le Point saída no dia 12, véspera dos atentados, contém uma entrevista com Pascal Bruckner, um dos novos filósofos que nos anos 70 e 80 questionaram o que denominaram por ilusão trotskista, ou seja o niilismo que daí saiu, a compaixão hipócrita de certa esquerda pelos pobres e conseguiram compreender a semelhança entre o comunismo, o fascismo e demais ideologias de extrema-direita, um debate que em Portugal tarda a começar. Nessa entrevista, e criticando fortemente o discurso politicamente correcto que a esquerda impôs à França, Bruckner diz que o Estado francês enfraqueceu as minorias com as suas políticas de protecção das suas especificidades, afundando-as no seu modo de vida, tradições e cultura donde as pessoas pertencentes a essas minorias se querem afastar. Bruckner relembra que se o ideal republicano é a promoção social e o esquecimento dos determinismos religiosos, étnicos e culturais, a política francesa para os imigrantes criou um racismo de anti-racismo, que afunda os imigrantes, os indivíduos, numa cultura de onde querem fugir mas que não conseguem porque não os deixam. São pessoas que querem deixar de ser minoria mas que a maioria bem-pensante decidiu protegê-los impedindo-os de se libertarem do determinismo cultural étnico e religioso de onde querem fugir. É que o conceito do todos diferentes todos iguais falha quando todos querem simplesmente ser iguais.

Perceber este fenómeno, este colete de forças em que vivem os franceses que não deixam de ser filhos dos árabes em França é uma das muitas, e são muitas e não apenas esta, explicações para se compreender o que leva alguns milhares a tomar a decisão radical de se sublevarem da forma mais drástica e violenta que podemos imaginar contra os valores franceses. Valores em tudo meritórios, mas que nas últimas décadas têm sido distorcidos em prol de uma ideologia e de uma visão do mundo.

A França lembra uma panela de pressão. Durante anos insistiu-se numa política de integração que mantivesse as diferenças, mesmo quando os  detentores das mesmas as queriam esquecer. Ao contrário do que é aconselhável num debate intelectual sério, em que as ideias devem ser debatidas de forma honesta e imparcial, qualquer chamada de atenção para os riscos dessas políticas foram carimbadas de racistas. Assim tem sido porque não se visa encontrar a melhor solução, mas impor uma ideologia, uma forma de vida, uma orientação política. A França terá de reinventar o país que tem sido desde o final da Segunda Guerra Mundial. Pelo que conhecemos dos franceses, da sua cultura e filosofia, do seu gosto pelo debate e raciocínio argumentativo, da forma sublime como, na falta de um colete de forças que os sustenham, são expostos os melhores argumentos, não me parece que haja melhor desafio que este.

Advogado

França: a crise da igualdade diferenciada


Os atentados de Paris impõem duas breves considerações e ao levantamento de uma questão até agora metida na gaveta, porque incómoda, mas que tem de ser analisada e revista sob pena de não se encontrar uma solução o mais completa possível para um problema complexo.


Comecemos, pois, de forma ordenada:

1) No dia a seguir aos atentados, o primeiro-ministro Manuel Valls declarou, repetidas vezes, na TF1 que a França estava em guerra. Acrescentou ainda que o inimigo será combatido em França, mas também na Síria e no Iraque. O tom, as palavras e a estratégia do socialista Valls em tudo são iguais ao que George W. Bush apregoou após o 11 de setembro de 2001. Não interessa aqui sem bem ou mal; apenas salientar a semelhança entre os dois e que, quando um país é atacado, o Estado, que tem como função essencial a defesa dos cidadãos, tem o direito de reagir da melhor forma que souber e puder.

2) Sabe-se hoje que alguns terroristas que perpetraram os ataques na passada sexta-feira entraram na Europa vindos da Síria juntamente com os refugiados. Tem sido dito que a forma como a Europa olha para estes vai mudar. Até pode ser que sim, mas não deve ser assim. A resposta europeia deve focar-se na derrota do denominado Estado Islâmico, com recurso a agentes infiltrados, incursões de tropas de elite, treino dos soldados curdos e iraquianos e até mesmo ao envolvimento directo de soldados franceses, ingleses, norte-americanos, e veremos qual o papel que a Rússia quererá assumir nesta matéria. O Estado Islâmico deverá ser destruído e um novo equilíbrio no Médio Oriente terá de ser encontrado com realismo. Por muito duro que seja dizê-lo a Europa, os EUA e a Rússia deverão trabalhar para que surjam Estados suficientemente fortes que contenham a violência e mantenham a estabilidade na região.

3) Também na Europa há muito trabalho a ser feito. Quase de propósito, a edição da Le Point saída no dia 12, véspera dos atentados, contém uma entrevista com Pascal Bruckner, um dos novos filósofos que nos anos 70 e 80 questionaram o que denominaram por ilusão trotskista, ou seja o niilismo que daí saiu, a compaixão hipócrita de certa esquerda pelos pobres e conseguiram compreender a semelhança entre o comunismo, o fascismo e demais ideologias de extrema-direita, um debate que em Portugal tarda a começar. Nessa entrevista, e criticando fortemente o discurso politicamente correcto que a esquerda impôs à França, Bruckner diz que o Estado francês enfraqueceu as minorias com as suas políticas de protecção das suas especificidades, afundando-as no seu modo de vida, tradições e cultura donde as pessoas pertencentes a essas minorias se querem afastar. Bruckner relembra que se o ideal republicano é a promoção social e o esquecimento dos determinismos religiosos, étnicos e culturais, a política francesa para os imigrantes criou um racismo de anti-racismo, que afunda os imigrantes, os indivíduos, numa cultura de onde querem fugir mas que não conseguem porque não os deixam. São pessoas que querem deixar de ser minoria mas que a maioria bem-pensante decidiu protegê-los impedindo-os de se libertarem do determinismo cultural étnico e religioso de onde querem fugir. É que o conceito do todos diferentes todos iguais falha quando todos querem simplesmente ser iguais.

Perceber este fenómeno, este colete de forças em que vivem os franceses que não deixam de ser filhos dos árabes em França é uma das muitas, e são muitas e não apenas esta, explicações para se compreender o que leva alguns milhares a tomar a decisão radical de se sublevarem da forma mais drástica e violenta que podemos imaginar contra os valores franceses. Valores em tudo meritórios, mas que nas últimas décadas têm sido distorcidos em prol de uma ideologia e de uma visão do mundo.

A França lembra uma panela de pressão. Durante anos insistiu-se numa política de integração que mantivesse as diferenças, mesmo quando os  detentores das mesmas as queriam esquecer. Ao contrário do que é aconselhável num debate intelectual sério, em que as ideias devem ser debatidas de forma honesta e imparcial, qualquer chamada de atenção para os riscos dessas políticas foram carimbadas de racistas. Assim tem sido porque não se visa encontrar a melhor solução, mas impor uma ideologia, uma forma de vida, uma orientação política. A França terá de reinventar o país que tem sido desde o final da Segunda Guerra Mundial. Pelo que conhecemos dos franceses, da sua cultura e filosofia, do seu gosto pelo debate e raciocínio argumentativo, da forma sublime como, na falta de um colete de forças que os sustenham, são expostos os melhores argumentos, não me parece que haja melhor desafio que este.

Advogado