Talvez este texto não siga a directriz que o leitor espera. Aqui não há piadas sobre refugiados nem parábolas sobre pedofilia. Não é que o tenhamos exigido, pelo contrário, mas o que encontrámos foi um homem despreocupado, sem sede de assumir a postura que tem em palco. Comecemos, só desta vez, pelo início. Na véspera da sua estreia a solo, em 2009, tinha vendido quatro bilhetes. “Entrei em pânico, fiz uma megaoperação de marketing, enviei mensagens para toda a gente e cheguei às cem pessoas”, diz Rui Sinel de Cordes. Cem lugares era precisamente a lotação completa do Santiago Alquimista. Agora, em 2015, na véspera de se apresentar no Coliseu dos Recreios – precisamente quando falámos com ele – já 2 mil pessoas tinham o seu ingresso comprado. O seu recorde de assistência tinham sido mil pessoas no Porto, em 2014.
Tantos números só podem desaguar em apressada conclusão: hoje, Rui Sinel de Cordes é uma estrela. Não é que seja cadente, não é que tenha groupies a tentar tocar-lhe – às quais juntariam promessas de nunca mais lavar as mãos –, mas é um facto que o pioneiro do humor negro em Portugal tem uma fiel e alargada legião de seguidores.
“As pessoas estão cada vez mais bem informadas, cada vez procuram mais aquilo de que gostam. A internet contribui muito para isso e parte do meu público vem daí. As pessoas comem menos aquilo que os media tradicionais lhes dão a comer”, justifica. Fome e polémicas à parte, Rui Sinel de Cordes tem um novo espectáculo – “JE SUIS CORDES” – que promete correr o país. Nome que se explica assim: “Não me querendo comparar com os cartoonistas assassinados do ‘Charlie Hebdo’, nunca tive nenhum problema parecido, mas o que é certo é que a liberdade de expressão está cada vez mais a ser atacada. Já tive censuras, cortes e bloqueios, nenhum jornal, nenhum canal falou do ‘JE SUIS CORDES’. Nunca levei nenhum tiro, mas sinto isso na pele”, confessa. Isto antes de acrescentar: “Éramos todos Charlie. Quando eles fizeram o cartoon com o bebé sírio, toda a gente deixou de ser, é algo que não consigo entender.”
Algo que elucida o espírito de Cordes. Até porque, se é dos que acha que o lisboeta só toca em temáticas que não o atingem, está enganado. “Já fiz piadas sobre coisas que me afectaram directamente, como o cancro da minha mãe. É sempre um exagero o que fazemos um palco. Agora, na minha vida também me rio com piadas dessas, não preciso de estar em palco para achar piada a uma boa piada sobre cancro ou sobre violação… tem é de ser boa.”
É também o primeiro a admitir, sem pudor nem rodeios, que por vezes se estica, ultrapassa os limites. “De vez em quando sinto isso, mas não é motivo para não o fazer. É como quando um guitarrista parte uma corda – não deixa de tocar guitarra. Às vezes olho para trás, coisas que fiz no ‘Gente da Minha Terra’ e fico ‘ai cum caraças’. Já não acho muita graça, acho que foi só gratuito. Mas faz parte, os humoristas não acertam sempre, como ninguém acerta sempre nas suas profissões.”
O sucesso, esse, não pode apenas ser atribuído à internet, isso é que era bom. Sinel de Cordes considera que o humor negro tem, actualmente, outro impacto nas pessoas, e começa a ser, a cada dia que passa, menos patinho feio. “Antigamente, as pessoas tinham vergonha, achavam que era errado. Agora cada vez mais percebem que sou um gajo normal, que não sou um filho da puta, apenas faço este estilo de humor, e ninguém é pior pessoa por rir. Lembro-me que quando comecei via muita gente na sala a esconder o riso. O humor negro é o único humor que pode ter pessoas que estão a gostar e que não se riem por vergonha… Quando comecei, tinha piadas de que ninguém se ria. Fi-las três ou quatro anos mais tarde e toda a gente se riu… e eu não mudei a piada.”
Não foi só a piada que Rui Sinel de Cordes não mudou. Efectivamente, o humorista nunca abdicou do seu estilo, ainda que sobre si se diga tudo, ao ponto de receber sucessivas ameaças que decide ignorar. “Ao vivo nunca tive problemas, foi sempre por email, por mensagens de Facebook. Não ligo nada a isso, quando percebo o conteúdo da mensagem paro logo de ler. Não vai mudar nada, nem me vai fazer mudar de ideias.”
Às tantas, também nós provocámos Cordes, porque a voz que aqui encontramos não é a mesma que sobe a palco, nem a postura, que definimos como “arrogante”. O artista não a recusou. “O pior defeito para mim é a falsa modéstia, então no humor é uma coisa escandalosa. Não há nada pior que um falso modesto, é um gajo arrogante que é cínico, acha-se o maior mas diz que não. Sempre fui um bocado arrogante na minha vida, mas nem é para os outros, é para mim, pratico-o quase todos os dias para ganhar automotivação. E essa forma de estar faz sentido no meu estilo. Se reparares nos gajos que fazem humor negro lá fora, assumem todos essa personagem. Entretanto devo ter misturado isto tudo e fiquei assim.” Acontece.