António Costa não comenta “casos judiciais”. A maioria dos socialistas alinha com o secretário-geral e recusa falar da carta em que José Sócrates lança a “suspeita de que este processo tem como verdadeira motivação condicionar as próximas eleições e impedir a vitória do PS”.
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Mas Ana Gomes, eurodeputada e dirigente socialista, diz o que alguns socialistas pensam, mas não dizem publicamente: “A preocupação dele não é o PS. A preocupação dele é ele próprio.”
À porta da campanha eleitoral, Sócrates não se inibiu de envolver o PS no caso judicial que enfrenta, ao mesmo tempo que Costa pede aos socialistas para separarem as águas. “Os casos da justiça estão entregues à justiça e a justiça tratará deles. Os casos da política estão entregues aos eleitores”, disse ontem, quando foi confrontado com mais uma carta assinada por José Sócrates.
O problema é que o PS tropeça constantemente no caso judicial do seu ex-líder e isso apaga a mensagem que o partido quer passar. No dia em que o PS apresentou as contas sobre o programa eleitoral – uma iniciativa que contou com a presença de António Costa –, Sócrates escreveu mais uma carta da prisão.
As eleições directas, o congresso ou a convenção nacional do PS são outros exemplos de como o caso Sócrates se cruzou no caminho do líder socialista.
Aos socialistas é quase impossível arrancar uma palavra sobre a carta do ex-PM. O sentimento é de impotência. “Não o podemos condicionar. O importante é que o PS tem feito uma calara separação entre a política e a justiça”, diz um dirigente socialista que integra as listas.
Ana Gomes, eurodeputada e dirigente do PS, assume em declarações ao i que a prisão de Sócrates tem “impacto nas legislativas” e que as intervenções do ex-PM podem penalizar o partido.
“É natural que quem está preso procure defender-se. Se isso é bom para o PS, é outra história, mas não é aquilo que o preocupa. Acho que isso não é bom para o PS, independentemente de quem utilize a cartada de ele estar preso. Seria surreal pensar que a prisão de um ex-primeiro-ministro não contamina as legislativas.”
COSTA TEM DE FALAR
O silêncio dos socialistas contrastou com vários comentários de dirigentes e deputados da coligação. Carlos Abreu Amorim, cabeça–de-lista da coligação PSD/CDS por Viana do Castelo, defendeu que, perante a suspeita lançada por Sócrates, o secretário-geral do PS tem de se pronunciar.
“De uma vez por todas, Costa tem de dizer o que pensa acerca destas acusações gravíssimas que põem em causa os rudimentos do Estado de direito”, escreve Abreu Amorim, acrescentando que, se não o fizer, Costa está a ser “cúmplice político de Sócrates neste esforço alucinado de destruir a credibilidade e dignidade do sistema judicial português.”
Já Ribeiro e Castro, ex--líder do CDS, escreve, na sua página no Facebook, não ter nenhuma dúvida de que “este caso prejudica o PS”, mas que “até nisso a responsabilidade e a culpa não são imputáveis à justiça, seja ao Ministério Público, seja aos tribunais”.
CUIDEM-SE OS CÍNICOS
Os socialistas, mesmo os que escrevem diariamente nas redes sociais, foram mais contidos. António Campos, histórico do PS que está afastado da política há alguns anos, foi dos poucos a sair em defesa de Sócrates.
“Só os ingénuos, os cobardes ou os mal--intencionados estão de consciência tranquila sobre as consequências políticas e pessoais deste processo.” O deputado socialista José Lello comentou o texto do ex-dirigente do partido: “Com Sócrates cá fora, cuidem–se os cínicos e os hipócritas.”