Conceição Queiroz. A excepção da televisão  à regra branca

Conceição Queiroz. A excepção da televisão à regra branca


Ninguém assume que há racismo nos meios de comunicação social. Mas na hora da verdade contam-se pelos dedos de uma mão os pivôs negros.


É a coqueluche actual da TVI24. Não pelos seus dotes de jornalista, que são inquestionáveis – trabalhou durante anos no programa “Grande Reportagem” daquela estação televisiva – mas porque conseguiu aquilo que os dedos de uma mão são mais do que suficientes para contabilizar em Portugal: é pivot de um programa de informação, mesmo sendo mulata. Conceição Queiroz, moçambicana, nunca pensou ser jornalista. Muito menos de televisão. Começou a trabalhar num semanário, depois foi para uma rádio, ficou desempregada, tentou a RTP África, e num assomo de coragem, ligou para a estação de Queluz. “Foi mesmo de uma cabine telefónica na zona de Entrecampos”, recorda.

“Precisavam de alguém não para a informação mas para trabalhar no programa de Cristina Caras Lindas. Nesse dia fui a uma entrevista e no dia a seguir estava a trabalhar no estúdio e a fazer reportagens”.

Anos mais tarde, quando percebeu que o programa estava a chegar ao fim, falou várias vezes com Manuela Moura Guedes, também ela uma jornalista que começou na produção antes de mergulhar no mundo da informação. Manuela foi directa: “Vais fazer uma reportagem e se correr bem, podes passar para a informação”. 

A experiência valeu-lhe um lugar no restrito grupo que faz investigação naquela estação. Este mês, foi-lhe proposto um novo desafio: apresentar os noticiários das nove às 15 horas aos fins-de-semana na TVI 24. “Foi um processo normal”, defende. “Depois de 21 anos de trabalho, este registo diferente fez-me sentido e sinto-me orgulhosa pela confiança que esta direcção de informação depositou em mim”.

Abrir caminho Não sente, nem nunca sentiu, que fosse tratada de forma diferente por não ser branca, até porque não deixa. “Não permito. Faz parte da minha postura de estar na vida. Não admito que me tratem mal por preconceitos e se tentarem, reajo”. Mesmo assim admite que pelo facto de estar a apresentar um programa de informação possa abrir caminho para que outros negros se lhe sigam.

José Mussuaili, preto retinto, também foi pivot na TVI há quase 10 anos. Natural de Moçambique, também não esquece a experiência. No seu caso, chegou ao grande écran por acaso, em substituição de um colega que estava doente. 

Mas tem um outro olhar sobre o facto de não haver quase nenhum pivô negro nas televisões portuguesas. “Acho isso estranho num país com 500 anos de história com África. Tenho a certeza que é por uma questão de preconceitos não assumidos. E quem diz negros, diz chineses ou indianos, porque o que se faz nos países civilizados, como em França, é haver apresentadores de diferentes etnias representativas de toda a sociedade. Aqui ainda não há essa prática”.

Paulo Dentinho, director de informação na RTP – a televisão que mais negros tem a apresentar programas de informação, como João Rosário ou Carla Adão – explica porque ainda não existiam Oprahs Winfrey em Portugal. “Se olharmos para a história dosEUA, a luta pelos direitos cívicos nos anos 60 foi dramática. E passadas umas décadas, Obama foi eleito Presidente. Na Europa as coisas não se passaram da mesma maneira. Mas também é verdade que em Angola e em países africanos também é raríssimo haver pivôs brancos”. 

Não assunto Dentinho, que tem quatro filhos, um dos quais uma menina negra adoptada, considera que a questão de negros e brancos nem sequer é um assunto, “até por razões pessoais”. E acredita que não há mais negros nas televisões portuguesas porque não há candidatos. “Na RTP, as escolhas têm apenas a ver com uma análise do perfil e a capacidade das pessoas para o lugar”. 

Joaquim Vieira, presidente do Observatório da Imprensa, contextualiza a falta de pivôs negros nas televisões portuguesas no que acontece noutras actividades. “Em profissões de elite, como a engenharia ou a medicina ou na gestão, os negros não estão representados na mesma proporção dos que existem na sociedade portuguesa”, diz.

“Mas também é preciso ter em conta que estamos perante camadas mais carenciadas por razões que têm a ver com a maneira como vieram das ex-colónias e agora pelo facto de virem em condições menos favoráveis. Tem havido uma evolução muito lenta dessas pessoas que se reflecte na visibilidade que têm em Portugal”. 

O jornalista diz que não sabe se “existe ou não uma política subreptícia de discriminação nas televisões”, mas acredita que “se aparecer alguém com as qualidades necessárias para ser pivô” dá o benefício da dúvida.

Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, confessa que sempre achou estranho que numa sociedade multirracial como a portuguesa haver “tão pouca diversidade étnica nos ecrãs, tendo em conta que alguns dos nossos maiores comunicadores são pessoas que agregam muita dessa miscegenação de culturas”. Mas constata que, apesar de tudo, há mais diversificação de culturas do que parece, “estão lá eslavos, estão lá negros, estão lá asiáticos. Nesse sentido, as televisões começam a reflectir um bocadinho do que se passa no país. Pode não ser evidente, mas quem esteja atento repara que é um bocadinho o que se passa no Chiado. Há grandes misturas e grandes sínteses”. 

Na TV e em tudo o resto Sofia Branco, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz que “os media, à semelhança do que acontece no resto da sociedade, são um mau exemplo. Há uma sub representação das pessoas de raça negra, mas é em geral”. Quando se entra nas redacções, também não se vê muita gente de cor, e o mesmo acontece no parlamento. 

De facto há muito poucos. Mas é um pouco o que acontece com o fenómeno Obama: “Simbolicamente, ter sido eleito presidente foi um exemplo. A nossa polícia é bastante racista porque quando emite um comunicado faz questão de diferenciar as raças, quando o importante é o crime em si. Cabe aos jornalistas desmistificarem essas mensagens subliminares para que cada vez mais as minorias tenham um papel determinante na sociedade portuguesa”. Há mais de três décadas, não havia mulheres nas redacções. Agora, e na maioria dos casos, elas são maioritárias. Mudam-se os tempos e mudam-se os costumes. Quem sabe um dia os apresentadores brancos serão também eles uma minoria no panorama das televisões portuguesas. Ou pelo menos em igual número que os negros.