Mariana Vieira da Silva. “A direita foi eficaz a criar a ideia de que estamos neste lugar por culpa nossa”

Mariana Vieira da Silva. “A direita foi eficaz a criar a ideia de que estamos neste lugar por culpa nossa”


Dirigente socialista afirma que os portugueses “assumiram com demasiada facilidade uma ideia de culpa”.


Aos 37 anos faz parte da direcção do gabinete de estudos do PS que nos últimos meses fez o programa eleitoral de António Costa. Mariana Vieira da Silva, membro da ComissãoPolítica Nacional do PS e socióloga, acredita que foi a narrativa construída pela maioria PSD/CDS que evitou maior contestação na rua, nos anos da troika.

Também não vê possibilidades de acordo entre o PS e “esta maioria” e tem “esperança” em novas forças de esquerda, como o Livre. 

Quando é que entrou no PS?
Inscrevi-me quando o secretário-geral Ferro Rodrigues perdeu as eleições de 2002, de forma tão renhida.
Já fez parte de dois gabinetes ministeriais, com a ministra da Educação do primeiro governo de Sócrates e com o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, no segundo. Éo que se costuma chamar de uma girl?
Não, interessei-me desde sempre por política, fui estudar sociologia. Estou a acabar o doutoramento em políticas públicas, portanto o meu interesse por política está nas várias esferas da minha vida. Não sinto essa ligação tão funcional ao PS.

Trabalhou com Maria de Lurdes Rodrigues, uma das responsáveis pela Educação mais contestada na rua. Como socióloga estranha que os últimos anos de troika não tenham suscitado uma contestação tão presente?
O factor medo condicionou muito a reacção das pessoas. Quando se conseguiram organizar em torno de um sentimento de injustiça muito particular, como a baixa da TSU para os empregadores e aumento para os trabalhadores, esse ímpeto de ir para a rua existiu. Mas nos últimos anos, as preocupações laborais das classes profissionais não estiveram em cima da mesa e são essas que agitam os movimentos sindicais. Quando se tem medo de perder o emprego e de ir para a mobilidade, ir para a rua não é a reacção mais imediata. Quando se luta por uma determinada progressão na carreira, um determinado modelo de avaliação, é mais fácil mobilizar uma classe profissional como um todo, que foi o que aconteceu naquele período com Maria de Lurdes Rodrigues.

Em Espanha, aqui ao lado, a reacção foi muito mais intensa, não houve dificuldade em juntar em protestos diferentes classes profissionais. Porquê?
Porque assumimos com demasiada facilidade uma ideia de culpa e de responsabilidade única nossa perante esta crise. E isso tem consequências na vontade de nos manifestarmos. A direita foi eficaz nessa construção da ideia que estávamos neste lugar por culpa nossa.

O PS quer reduzir descontos para a Segurança Social o que não é pacífico dentro do partido pelos riscos para a sustentabilidade do sistema. Onde se situa nesta discussão?
Nunca uma discussão no PS tem um só lado. Devemos distinguir as duas medidas, no caso da redução da contribuição paga pelas empresas, trata-se um instrumento de diversificação das fontes de financiamento. Várias forças de esquerda defenderam isto mesmo ao longo do tempo. No caso da redução dos descontos feitos pelos trabalhadores, há hoje 400 mil pessoas que beneficiam de reduções temporárias na taxa social única, pelas razões mais diferentes. Esta ideia não é uma novidade. O país precisa de uma rápida recuperação económica e não dispõe de um conjunto de instrumentos monetários para o fazer. O que existe aqui é uma política de incentivo a essa recuperação. Já sobre o debate da sustentabilidade, acho que esta medida representa uma visão mais correcta do problema da sustentabilidade do que o que a direita tem. 

Porquê?
Se há coisa que nos últimos anos afectou a sustentabilidade da Segurança Social e de todos os nossos sistemas sociais – e até das finanças públicas – foi a redução das contribuições por as pessoas não terem emprego e o dinheiro que foi gasto em subsídios de desemprego.

O PS confia na recuperação por aí, mas esse não é um dado económico demasiado incontrolável, pelo menos na medida em que prevêem?
O que o PS sempre criticou foi a ideia que se reduzirmos a TSU das empresas elas contratam mais. Essa não é a essência desta medida, mas sim: se as pessoas tiverem mais rendimento disponível a economia acelera. E aí não há nada que promova mais o emprego. Essa relação não é questionada por ninguém. Esta não é uma forma de pôr em causa a Segurança Social, mas uma forma de enfrentar o problema. A medida foi estudada e é moderada. 

 Por que motivo, na versão final, as limitações para contratos a prazo são mais genéricas? Em vez de se cingirem a situações de substituição, passam a ser só “fortemente limitados”. O facto de o programa ter estado em debate público fez com que muitas medidas fossem clarificadas e transformadas. Épara isso que se ouve as pessoas. 

O que estou a tentar perceber é se essas audições tiveram influência nisto dos contratos a prazo.
Nisso e em muitas coisas. É evidente que uma economia como a portuguesa, que depende tão fortemente do sector do turismo e do sector agrícola que tem mecanismos de sazonabilidade muito fortes, não poderia deixar de ter em conta essa especificidade. 

Essa era precisamente uma preocupação das confederações patronais. Foi uma resposta a elas?
Sim e não só. Tivemos muitos momentos em que foi evidente que havia de clarificar algumas coisas. Por outro lado, além dessa medida de combate à precariedade existem outras, como na questão dos recibos verdes, ou na tentativa de redução de mecanismos de apoio público à contratação. Não fazia sentido tratar de forma separada a medida dos contratos a prazo.

Outra ausência é a da já prometida alteração aos escalões do IRS. Por que não aparece detalhada como outras medidas fiscais?
A transformação do nosso sistema fiscal num instrumento mais progressivo tem como primeiro grande passo a redução da sobretaxa e, uma vez feito, a progressividade pode ser alargada, mas daremos um passo muito significativo logo na primeira metade do governo. Não se pode dizer que este programa não diz ao que vem. 

Isso quer dizer que mexidas nos escalões só acontecerão na segunda metade da legislatura?
Não existe um calendário. O que o secretário-geral disse foi que vamos começar por reduzir a sobretaxa e depois ponderar o aumento da progressividade por outras vias. 

Houve alguma medida que lhe tenha suscitado maior hesitação?
A maior tensão que existiu foi saber como vamos lidar com as coisas que foram mal feitas, mas sem entrar numa sucessão de que cada vez que muda o governo, se destrói tudo o que foi feito. O equilíbrio mais difícil em todas as áreas foi decidir o que fazer com os erros cometidos. Por exemplo, na política educativa, o que fazer às pessoas que entretanto estão num caminho vocacional? Temos de ter atenção que há miúdos com 14 anos que fizeram uma opção porque o governo eleito democraticamente a escolheu. 

As sondagens mantêm a coligação e o PS próximos, com a maioria absoluta difícil. Este programa tem abertura para o diálogo político que se pode exigir no dia a seguir às eleições?
Os compromissos não se fazem de propostas consensuais. A regra principal é irmos a votos e depois desenvolvermos uma capacidade, não muito fácil em Portugal mas muito possível em muitos momentos da nossa história, e construirmos compromissos. A seguir é negociar, como em tantos países se faz. Partidos com programas vagos não têm mais facilidade em criar consensos.

E com este programa será mais fácil criá-los à esquerda ou à direita?
O problema da construção de compromissos à esquerda não tem sido tanto uma visão diferente em áreas fundamentais, mas mesmo a falta de vontade da esquerda à esquerda do PS, que se mantém fiel ao lugar de opositora. 

Põe alguma expectativa nas forças que apareceram à esquerda, caso do Livre?
Essas forças apareceram em grande medida por insatisfação com o comportamento do BE e do PCP. Portanto, sim, tenho esperança.

Ficaria espantada com consensos à direita, tendo por base o documento que tem nas mãos [o programa do PS]?
Não julgo que exista uma impossibilidade teórica de acordos, mas com esta maioria que desenvolveu esta política é totalmente impossível.

Na Segurança Social, como a coligação pede, pode ser possível?
A maioria tem pedido um consenso quando todas as decisões que tomou foram vistas como contraditórias com a Constituição. O consenso não se pede, constrói-se. Ao longo dos últimos anos, a direita só propôs o plafonamento e os cortes de pensões. Não me revejo sequer na ideia de que a direita quer um consenso nesta área. 

Mas revê-se na necessidade de um acordo alargado para essa reforma? 
É muito importante que uma reforma da Segurança Social seja feita com base num compromisso muito alargado com os parceiros sociais, coisa que a direita nunca fez. Um acordo político pode ou não ser possível.

É determinante?
Não foi determinante para a última reforma da Segurança Social e foi muito determinante o acordo na concertação social, com todos os parceiros menos a CGTP. O importante é criar compromissos nacionais sobre identificação do problema e uma solução. Não me parece que nem Passos Coelho nem Paulo Portas tenham grande legitimidade para dizer que a reforma que farão será de consenso.

O que achou da condecoração de Teixeira dos Santos?
Foi ministro muitos anos numa situação muito difícil para o país e reconheceu que a falta de saída que o país teve nesse período foi decidida por todos os outros partidos que não o PS.

É um justo reconhecimento?
Acho que é justo. 

Há um ex-primeiro-ministro que nunca foi condecorado, José Sócrates. Faz-lhe falta, como socialista?
Não me faz falta condecoração nenhuma, cabe ao Presidente definir. Não creio que as condecorações pesem na vida colectiva.

A prisão de Sócrates é difícil de gerir em eleições?
O PStem gerido muito bem uma situação evidentemente difícil.

Piora se sair em período eleitoral?
A situação em si é difícil e não me parece que varie de forma significativa a não ser no final do processo.

 Tem vontade e ambição de passar para o lado executivo?
Não penso nisso. A minha grande ambição é entregar o doutoramento até ao Verão. 

Até pode vir a ser colega de governo do seu pai [José António Vieira da Silva]?
[Risos]

O seu percurso político tem sido muito marcado por ele?
A minha vida toda é muito marcada pelo meu pai e pela minha mãe, pela forma como sempre me incutiram um objectivo de serviço público e de participação cívica e liberdade de pensamento. Não me considero nem mais nem menos por ser filha do meu pai e da minha mãe, já agora.