Os imigrantes mortos no Mediterrâneo estão bem presentes na memória de todos, e em particular dos responsáveis europeus que hoje se reúnem de emergência em Bruxelas. A primeira questão que se põe é a razão desta cimeira quando a União Europeia tem há muitos anos fundos e programas para controlar e evitar tragédias no Mediterrâneo e no mar Egeu, portas marítimas da Europa procuradas por milhares de pessoas que fogem de conflitos no Médio Oriente e no Norte de África ou procuram simplesmente uma vida digna no continente dos estados sociais e do respeito pelos direitos humanos.
A segunda questão é saber–se quem ganha neste jogo do empurra entre países do Norte que se queixam do elevado número de refugiados que lhes batem à porta à procura de asilo e do Sul, como Malta, Itália e Grécia, que têm de lidar diariamente com a chegada de barcos repletos de imigrantes às suas costas.
Não deixem a Itália sozinha A Itália tem uma posição clara sobre o assunto. O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, disse ontem que vai propor ao Conselho Europeu extraordinário sobre a imigração que os procedimentos para a concessão de asilo sejam geridos a nível europeu. “É importante que os procedimentos do asilo sejam geridos por uma equipa europeia e pelos ministros dos Negócios Estrangeiros. Trata-se de uma herança não só de um país, mas dos 28” membros da União Europeia (UE), afirmou Renzi, na câmara dos deputados de Itália. No seu discurso, Renzi reconheceu que, pela primeira vez, não viraram as costas à Itália na questão da imigração, mas recordou que “fazem falta decisões políticas na Europa” para resolver o problema. O primeiro-ministro italiano reiterou que o que está a acontecer no Mediterrâneo é “uma forma moderna de escravidão” e que a “Europa não pode deixar só a Itália nesta batalha de civismo”. “Precisamos de dar uma resposta política ao problema e não confiar só na reacção emocional. Ou existe a capacidade de dar uma resposta articulada ou não vamos a parte alguma”, acrescentou Renzi. O primeiro-ministro pediu que pensem em África e em particular numa estratégia, não só imediata, mas também a longo prazo, pois “é dali que chegam as pessoas que morrem no Mediterrâneo”.
Mas a posição italiana vai com certeza encontrar resistências de outros países europeus, numa altura em que algumas organizações alertam para a existência de milhares e milhares de pessoas que procuram chegar à Europa rapidamente. Uma delas é França, que recusa receber imigrantes económicos.
Paris recusa imigrantes económicos Embora queira que a União Europeia tome medidas de urgência para socorrer os imigrantes indocumentados que atravessam o Mediterrâneo, Paris recusa a intenção de modificar a sua política de não aceitar imigrantes económicos. “A posição da França é não aceitar a imigração económica” e “não vamos mudar”, sublinhou ontem o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Jean-Marie Le Guen, em entrevista transmitida pela rádio RMC e pelo canal televisivo BFM TV.
Le Guen insistiu que “não é possível receber imigração económica”, porque “não é nem a política da França nem a de outros países europeus”. “Há certos imigrantes que podemos acolher”, desde que cumpram as condições para obter o direito de asilo, área que está a ser reformada no sentido de se agilizarem prazos, disse.
Meio milhão à espera Este debate europeu acontece numa altura em que o número de migrantes que atravessam o Mediterrâneo pode aumentar este ano para meio milhão se nada for feito contra as pessoas que os traficam, alertou ontem o secretário-geral da agência marítima da ONU.
Koji Sekimizu, secretário-geral da Organização Marítima Internacional, apelou a um esforço multinacional para garantir a segurança dos migrantes e para identificar aqueles que os traficam para obter lucro apesar do risco. “Esta questão é muito séria”, disse Sekimizu ao discursar numa conferência e exposição marítima internacional em Singapura, a Sea Asia.
“Está na altura de pensar verdadeiramente numa forma de pôr termo à passagem perigosa de migrantes a bordo de embarcações pequenas e muito inseguras. Temos de agir”, disse. Sekimizu referiu estar a trabalhar com outras agências da ONU para criar uma base de dados de traficantes de seres humanos, mas não deu pormenores. Mais de 170 mil migrantes atravessaram o Mediterrâneo em 2014, 3 mil dos quais morreram no mar, segundo Sekizimu. No mais recente incidente, no domingo, cerca de 800 pessoas terão morrido quando a embarcação em que viajavam naufragou ao largo da Líbia.
“Se não fizermos nada, penso que este ano veremos meio milhão de migrantes atravessar o Mediterrâneo e, potencialmente, 10 mil morrerem”, alertou o responsável. Com Lusa