João Marrana. “Precisamos que, no meio da vontade genuína de ajudar, não se confundam os objectivos”


Qual é o objectivo deste projecto? Conhecer bem a realidade e poder depois apresentar propostas credíveis de acordo com as situações detectadas. Não podemos é planificar nem criar respostas sem conhecer a realidade. A intervenção junto dos sem-abrigo é uma área nova e a maioria do trabalho é voluntarista. Precisamos que, no meio da vontade…


Qual é o objectivo deste projecto?

Conhecer bem a realidade e poder depois apresentar propostas credíveis de acordo com as situações detectadas. Não podemos é planificar nem criar respostas sem conhecer a realidade. A intervenção junto dos sem-abrigo é uma área nova e a maioria do trabalho é voluntarista. Precisamos que, no meio da vontade genuína de ajudar, não se confundam os objectivos. O nosso objectivo é dar condições para estarem na rua ou fazer tudo para saírem da rua? Se o objectivo é tirar da rua temos de direccionar o apoio de outra forma.  

Por exemplo?

Gostava que as carrinhas que distribuem comida na rua tivessem quatro ou cinco sítios na cidade onde pudessem dar esse apoio, mas em que as pessoas não comessem na mão, mas pudessem sentar-se, estar, socializar, conversar informalmente com enfermeiros e assistentes sociais durante o dia, até para conquistar a confiança, em vez de haver a clivagem entre as equipas da rua e a pessoa que está atrás da secretária. Quando falamos de sem-abrigo parece que só existem à noite, não há nada para eles durante o dia. Temos muitos que nos dizem ‘como é que eu não hei-de ser malandro’. Não têm um sítio para estar.

O João Paulo tem um papel do hospital a dizer que o avisarão por sms. Como é que é possível?

Durante o projecto encontrámos várias situações desse tipo. Ajudámos muitas pessoas sem documentação, a conseguirem o registo no consulado, a terem o cartão de cidadão. Isto é um problema delicado e passa muito pelo direito à morada. Qualquer pessoa tem de ter direito a ter um lugar de residência, um sítio onde receber a correspondência, uma confirmação de consulta. É uma das necessidades que identificámos. Os albergues não dão para todos. Ao longo do projecto acompanhamos sem-abrigo 24 horas por dia e uma das coisas que temos de ajustar são os horários dos balneários públicos. Se os sem-abrigo acordam entre as 6h e as 7h,  não podem abrir apenas às 8h ou 9h. Ninguém espera duas horas para lavar os dentes. Temos de adaptar a oferta e a realidade. Se puderem fazer a higiene diariamente, talvez mantenham uma motivação para procurar trabalho. Se não puderem estar bem apresentados, inibem-se de tentar. Isto é fácil de resolver.  

Que mais necessidades há?

Outro défice é nas respostas para pessoas com problemas mentais. Na Santa Casa estamos disponíveis para inovar, mas isto tem de ser um trabalho de toda a sociedade. A noite de quinta-feira para mim foi surpreendente. Em três dias mobilizámos mais de 800 voluntários, de juntas de freguesia a associações de moradores, estudantes, polícia, bombeiros. Tivemos a cidade connosco e isso é fundamental para afirmar que não há falta de recursos na cidade. O mais importante, que é a disponibilidade, tivemos a prova provada dela com esta acção. Às vezes é tão importante a ajuda que vem de um sorriso e de um bom dia como a roupa que se distribui ou a carrinha que dá comida. E são coisas que não podem estar dissociadas. E isso foi uma vantagem do nosso projecto desde o início: levou para o terreno equipas multidisciplinares com disponibilidade para ouvir. Fizeram os inquéritos sentados no chão. E neste período, por causa disso, foi possível tirar pessoas da rua com a maior das facilidades.

Como é possível cortar-se uma bolsa como aconteceu com o Cláudio sem antecipar o impacto disso?

Provavelmente há uma descoordenação grande entre entidades que deviam convergir. Porque é que acontece, não sei. Que temos de fazer alguma coisa, temos.