Martha Cooper. A primeira mulher a fotografar graffiti


Martha Cooper chegava a estar cinco horas a ver comboios passar até chegar a altura exacta de disparar. Quando começou a fotografar graffiti no final dos anos 70, poucas pessoas – ou mesmo ninguém – se dedicava a tal coisa – nem sequer sabia o que era um graffiti. “Só os writers que costumavam fotografar…


Martha Cooper chegava a estar cinco horas a ver comboios passar até chegar a altura exacta de disparar. Quando começou a fotografar graffiti no final dos anos 70, poucas pessoas – ou mesmo ninguém – se dedicava a tal coisa – nem sequer sabia o que era um graffiti.

“Só os writers que costumavam fotografar as peças que faziam em comboios para provarem que as tinham pintado”, conta a norte-americana de 71 anos. “Usavam aquelas máquinas descartáveis que roubavam em drogarias e tiravam fotografias. Até porque as peças desapareciam rapidamente, ou porque outros miúdos pintavam por cima ou porque limpavam os comboios, e essa era a maneira de provar que aquilo tinha sido mesmo feito e feito por eles.”

Ter uma imagem de uma peça completa num comboio, como numa das sete fotografias de Martha que vão estar em exposição a partir de sexta-feira na galeria Underdogs, em Lisboa, é muito raro. “Para fotografar uma peça completa era preciso fotografá-la no próprio dia em que era pintada até porque as janelas costumam ser logo limpas”, explica. “Costumava receber telefonemas dos writers que diziam: “Pintei na linha tal, do lado tal, vai de manhã, vai de tarde”, arranjava um bom sítio para a fotografia e esperava, esperava…”

As horas de espera prolongavam-se mais ainda quando passava um comboio na linha ao lado e tapava o desenho. Ossos do ofício. Hoje em dia, Martha Cooper, de cabelo curto, ténis, lenço ao pescoço e um look pouco habitual para uma mulher de 70 anos, é conhecida como a primeira mulher do mundo a fotografar graffiti.

FOTOS DA CHUVA O primeiro contacto com o graffiti começou nos anos 70 quando trabalhava para o diário “New York Post” e andava por Nova Iorque a “tirar fotos do tempo”. “Era preciso tirar aquelas fotos de chuva ou de sol para publicar consoante o tempo e comecei a fazer isso com os miúdos que faziam coisas criativas no bairro de Lower East Side, uma zona na altura pobre, mas que agora é trendy.” Foi um desses miúdos do bairro que a apresentou ao famoso graffiter Dondi (falecido em 1998), um dos pioneiros do graffiti em comboios.

“Foi uma espécie de colaboração o que começámos a fazer, até porque eles queriam as fotos e por isso estavam sempre a ligar-me e foi a partir daí que conheci muitos writers”, recorda. Porém, nunca pensou que o graffiti se pudesse tornar “numa coisa grande”. “Pelo contrário, sempre pensei que era uma coisa exclusiva de Nova Iorque e só daquela altura, quando a cidade não tinha dinheiro. Pensei que daqui a 50 anos já não houvesse graffiti e que as fotos seriam uma espécie de preservação histórica.”

Estava enganada como comprovou mais tarde, quando começou a viajar. Em 2005, foi para a Europa promover o seu livro “Hip Hop Files” – género que começou a fotografar desde o aparecimento graças aos contactos no mundo do graffiti – e foi nessa altura que conheceu o português Vhils, de 26 anos, agora dono da galeria Underdogs.

PÓLEN DAS ABELHAS Não é de espantar que o artista tenha convidado Martha Cooper para esta exposição Trains & Generations, que vai estar na Underdogs até dia 23 de Novembro, uma retrospectiva da fotografia de graffiti em comboios vista por três olhares de três gerações diferentes. Além das fotografias de Martha, a exposição conta com imagens do italiano Alex Fakso, writer dos anos 90 que trocou as latas pela máquina fotográfica, e do português Smart B, que começou a documentar as suas intervenções ilegais em comboios no final dos anos 90 e desde então não parou.

Ao contrário dos outros dois, Martha não costuma pintar paredes – nem comboios. “Basta experimentar escrever com spray para perceber como é difícil”, diz. “Mas tenho um tag que faço às vezes”, confessa, As fotografias de Martha na exposição são do final dos anos 70 até ao princípio dos anos 80, até porque depois disso, a fotógrafa andou ocupada com outras reportagens “que não têm nada a ver com graffiti”. “Até fiz uma história de capa para a “National Geographic” sobre o pólen das abelhas”. ri-se.

SOWETO/SOWEBO Agora, e nos intervalos das viagens para eventos de arte urbana por todo o mundo onde é convidada para dar palestras, Martha está a desenvolver o projecto Soweto/Sowebo, uma comparação entre o bairro de Soweto em Joanesburgo e o bairro de Sowebo, em Baltimore, nos Estados Unidos, onde se filmou a série “The Wire” e onde acabou por comprar “uma casa de campo no meio do gueto”.

“Um é dos bairros mais pobres do mundo e o outro um dos mais pobres dos Estados Unidos e o que tenho feito é comparar a sobrevivência criativa nos dois bairros. Até porque essa maneira de ser criativo com a vida que também me levou ao graffiti.”