Cidades à prova de risco?


Portugal precisa de assumir uma estratégia de definição nacional de prevenção, com políticas de investimento consistentes e sustentadas


A 3 de março de 2023, a Assembleia da República discutiu um Projeto de Resolução e três Projetos de Lei propostos pelo PSD, Livre, PAN e CH, sobre a mitigação do risco sísmico em Portugal. Cada proposta abordava tópicos relevantes: i) o PSD recomendava ao Governo (PS) que no âmbito do processo de descentralização, fosse avaliada a vulnerabilidade sísmica dos edifícios e equipamentos do Estado a transferir para os municípios e comunidades intermunicipais; ii) o Livre propunha a criação de um Indicador de Risco em caso de Sismo a acompanhar a venda ou arrendamento de qualquer imóvel; iii) o PAN defendia a criação de um sistema nacional de cobertura do risco contra fenómenos sísmicos e outros, bem como de um Fundo Sísmico e para Desastres Naturais; iv) o CH sugeria alterações legislativas destinadas a reforçar a segurança das construções contra os sismos. 

Apesar de pertinentes, estas propostas representavam apenas uma fração do muito que falta fazer para reduzir substancialmente o risco sísmico em Portugal. Ainda assim, nenhuma foi aprovada. Governos sucedem-se, mas a questão permanece como um “não assunto”.

O público, por sua vez, mantém-se distante da preparação e da prevenção, percebendo o tema mais como uma disputa política do que como uma preocupação imediata de segurança. Sem medidas estruturadas, não é possível afirmar que estamos preparados quando ocorre um sismo — como se ouviu após os eventos de 26 de agosto de 2024 e 17 de fevereiro de 2025. As comunicações oficiais são frequentemente contraditórias, o que acaba por diluir a responsabilidade, minimizar a urgência e reforçar o distanciamento da sociedade em relação ao debate sobre riscos -sejam eles sismos ou outros fenómenos.

Em Portugal a realidade é preocupante: cerca de 80% do edificado não dispõe de seguro contra fenómenos sísmicos (e apenas 34% das habitações estão protegidas por seguros de incêndio ou multirriscos) e as famílias não têm recursos para reforçar os edifícios mais vulneráveis – muitas nem sequer conhecem o risco a que estão expostas. Isto revela, por um lado, falta de consciência do risco e, por outro, ausência de mecanismos financeiros acessíveis que permitam preparar o cidadão. Reflete ainda um forte encargo para o Estado, em caso de sismo, que acaba por assumir grande parte das perdas não seguradas, o que se traduz em aumento da dívida pública e agravamento da instabilidade financeira.

Apesar da evidência científica, a ação política é escassa e a preparação do país permanece em aberto. A mitigação do risco sísmico é possível, seja através da avaliação e reabilitação dos edifícios mais frágeis, seja pela sua substituição por novas construções seguras, mobilizando investimento público e privado.

Mas a mitigação permanece frágil. Os decisores encaram a prevenção como um custo, e não como um investimento estratégico. Prevalece a lógica do curto prazo eleitoral: prevenir não dá votos, enquanto inaugurar obras após a tragédia dá visibilidade. Enquanto isso, a população desconhece os riscos e as políticas de prevenção ficam adiadas ou reduzidas ao mínimo – como se se aguardasse que o problema “rebente no próximo mandato”.

A comunicação deve ser vista como estratégia de governança do risco: contínua, antes, durante e depois do desastre. Só um modelo de envolvimento de toda a sociedade, que articula governos, setor privado, academia, associações não governamentais e cidadãos, pode tornar a prevenção eficaz.

No próximo dia 13 de outubro, assinala-se o Dia Internacional para a Redução do Risco de Catástrofes, instituído pela Organização das Nações Unidas em 1989. O tema deste ano apela ao investimento na redução dos riscos. É precisamente esse o compromisso que Portugal precisa de assumir: uma estratégia nacional de prevenção, com políticas de investimento consistentes e sustentadas.

Poucos dias depois, a 1 de novembro, assinalam-se 270 anos do terramoto e tsunami de 1755. Para marcar a data, terá lugar na Academia das Ciências de Lisboa um evento aberto ao público, organizado em parceria com o Centro Europeu de Riscos Urbanos e a Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica. Comunicar é preciso. Questões desta natureza devem ser partilhadas e discutidas com a sociedade civil – também como forma de educação pública.

Fenómenos naturais como os sismos podem afetar profundamente o bem-estar socioeconómico de um país. As suas consequências propagam-se em cadeia, atingindo diversos setores (1) e podendo comprometer até a sobrevivência básica. Basta recordar o apagão de abril de 2025, que expôs de forma clara a fragilidade da ligação entre Portugal, Espanha e o resto da Europa, demonstrando os riscos de falhas em infraestruturas críticas. É por isso imperativo acelerar a reabilitação de edifícios, escolas públicas e privadas, creches, hospitais e outras infraestruturas críticas, construídas antes da implementação da regulamentação sísmica (1960). Só assim se pode garantir resiliência sísmica e, em paralelo, impulsiona-se a eficiência energética, indo de encontro com o compromisso que Portugal tem de atingir a neutralidade carbónica até 2050.

É possível construir cidades resistentes aos sismos? Sim. Mas apenas com estratégia, foco, planeamento e gestão do território baseado no conhecimento dos riscos, educação e comunicação do risco, políticas públicas eficazes, fiscalização rigorosa e qualidade na construção.

Em 2012, na minha tese de doutoramento, defendi a utilidade de criar um sistema de rating para avaliar as empresas que cumprem – ou não – os regulamentos, tanto em projeto como em obra. Esse sistema permitiria também classificar concelhos ou freguesias de acordo com o seu nível de preparação. Utopia? Talvez não. Ainda no recente relatório sobre a aplicação dos objetivos da União Europeia em matéria de resiliência a catástrofes (2), publicado a 29 de setembro, pode ler-se que “o reforço da preparação da população continua a ser crucial”, salientando “a necessidade de continuar a desenvolver ferramentas de comunicação que incentivem a mudança de comportamentos”.

À medida que a população se torna mais informada, cresce a exigência por obras de reabilitação que incluam reforço sísmico. Ou seja, começa a surgir um estímulo real para investir na mitigação, transformando a consciência em ação.

Investigadora do Instituto Superior Técnico/ Instituto de Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CERIS)

Cidades à prova de risco?


Portugal precisa de assumir uma estratégia de definição nacional de prevenção, com políticas de investimento consistentes e sustentadas


A 3 de março de 2023, a Assembleia da República discutiu um Projeto de Resolução e três Projetos de Lei propostos pelo PSD, Livre, PAN e CH, sobre a mitigação do risco sísmico em Portugal. Cada proposta abordava tópicos relevantes: i) o PSD recomendava ao Governo (PS) que no âmbito do processo de descentralização, fosse avaliada a vulnerabilidade sísmica dos edifícios e equipamentos do Estado a transferir para os municípios e comunidades intermunicipais; ii) o Livre propunha a criação de um Indicador de Risco em caso de Sismo a acompanhar a venda ou arrendamento de qualquer imóvel; iii) o PAN defendia a criação de um sistema nacional de cobertura do risco contra fenómenos sísmicos e outros, bem como de um Fundo Sísmico e para Desastres Naturais; iv) o CH sugeria alterações legislativas destinadas a reforçar a segurança das construções contra os sismos. 

Apesar de pertinentes, estas propostas representavam apenas uma fração do muito que falta fazer para reduzir substancialmente o risco sísmico em Portugal. Ainda assim, nenhuma foi aprovada. Governos sucedem-se, mas a questão permanece como um “não assunto”.

O público, por sua vez, mantém-se distante da preparação e da prevenção, percebendo o tema mais como uma disputa política do que como uma preocupação imediata de segurança. Sem medidas estruturadas, não é possível afirmar que estamos preparados quando ocorre um sismo — como se ouviu após os eventos de 26 de agosto de 2024 e 17 de fevereiro de 2025. As comunicações oficiais são frequentemente contraditórias, o que acaba por diluir a responsabilidade, minimizar a urgência e reforçar o distanciamento da sociedade em relação ao debate sobre riscos -sejam eles sismos ou outros fenómenos.

Em Portugal a realidade é preocupante: cerca de 80% do edificado não dispõe de seguro contra fenómenos sísmicos (e apenas 34% das habitações estão protegidas por seguros de incêndio ou multirriscos) e as famílias não têm recursos para reforçar os edifícios mais vulneráveis – muitas nem sequer conhecem o risco a que estão expostas. Isto revela, por um lado, falta de consciência do risco e, por outro, ausência de mecanismos financeiros acessíveis que permitam preparar o cidadão. Reflete ainda um forte encargo para o Estado, em caso de sismo, que acaba por assumir grande parte das perdas não seguradas, o que se traduz em aumento da dívida pública e agravamento da instabilidade financeira.

Apesar da evidência científica, a ação política é escassa e a preparação do país permanece em aberto. A mitigação do risco sísmico é possível, seja através da avaliação e reabilitação dos edifícios mais frágeis, seja pela sua substituição por novas construções seguras, mobilizando investimento público e privado.

Mas a mitigação permanece frágil. Os decisores encaram a prevenção como um custo, e não como um investimento estratégico. Prevalece a lógica do curto prazo eleitoral: prevenir não dá votos, enquanto inaugurar obras após a tragédia dá visibilidade. Enquanto isso, a população desconhece os riscos e as políticas de prevenção ficam adiadas ou reduzidas ao mínimo – como se se aguardasse que o problema “rebente no próximo mandato”.

A comunicação deve ser vista como estratégia de governança do risco: contínua, antes, durante e depois do desastre. Só um modelo de envolvimento de toda a sociedade, que articula governos, setor privado, academia, associações não governamentais e cidadãos, pode tornar a prevenção eficaz.

No próximo dia 13 de outubro, assinala-se o Dia Internacional para a Redução do Risco de Catástrofes, instituído pela Organização das Nações Unidas em 1989. O tema deste ano apela ao investimento na redução dos riscos. É precisamente esse o compromisso que Portugal precisa de assumir: uma estratégia nacional de prevenção, com políticas de investimento consistentes e sustentadas.

Poucos dias depois, a 1 de novembro, assinalam-se 270 anos do terramoto e tsunami de 1755. Para marcar a data, terá lugar na Academia das Ciências de Lisboa um evento aberto ao público, organizado em parceria com o Centro Europeu de Riscos Urbanos e a Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica. Comunicar é preciso. Questões desta natureza devem ser partilhadas e discutidas com a sociedade civil – também como forma de educação pública.

Fenómenos naturais como os sismos podem afetar profundamente o bem-estar socioeconómico de um país. As suas consequências propagam-se em cadeia, atingindo diversos setores (1) e podendo comprometer até a sobrevivência básica. Basta recordar o apagão de abril de 2025, que expôs de forma clara a fragilidade da ligação entre Portugal, Espanha e o resto da Europa, demonstrando os riscos de falhas em infraestruturas críticas. É por isso imperativo acelerar a reabilitação de edifícios, escolas públicas e privadas, creches, hospitais e outras infraestruturas críticas, construídas antes da implementação da regulamentação sísmica (1960). Só assim se pode garantir resiliência sísmica e, em paralelo, impulsiona-se a eficiência energética, indo de encontro com o compromisso que Portugal tem de atingir a neutralidade carbónica até 2050.

É possível construir cidades resistentes aos sismos? Sim. Mas apenas com estratégia, foco, planeamento e gestão do território baseado no conhecimento dos riscos, educação e comunicação do risco, políticas públicas eficazes, fiscalização rigorosa e qualidade na construção.

Em 2012, na minha tese de doutoramento, defendi a utilidade de criar um sistema de rating para avaliar as empresas que cumprem – ou não – os regulamentos, tanto em projeto como em obra. Esse sistema permitiria também classificar concelhos ou freguesias de acordo com o seu nível de preparação. Utopia? Talvez não. Ainda no recente relatório sobre a aplicação dos objetivos da União Europeia em matéria de resiliência a catástrofes (2), publicado a 29 de setembro, pode ler-se que “o reforço da preparação da população continua a ser crucial”, salientando “a necessidade de continuar a desenvolver ferramentas de comunicação que incentivem a mudança de comportamentos”.

À medida que a população se torna mais informada, cresce a exigência por obras de reabilitação que incluam reforço sísmico. Ou seja, começa a surgir um estímulo real para investir na mitigação, transformando a consciência em ação.

Investigadora do Instituto Superior Técnico/ Instituto de Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CERIS)