Vivemos tempos de incerteza, nos quais a ética se afigura, por vezes, como um conceito fluído, vulnerável a contingências e interesses difusos. Contudo, esta não pode ser reduzida a um mero artifício retórico ou a uma convenção social descartável: a ética é o alicerce sobre o qual se erige a confiança interpessoal, institucional e governativa. O problema reside na sua sistemática erosão, especialmente na esfera pública e política, onde frequentemente é relativizada ou instrumentalizada. Até que ponto podemos perpetuar esta indulgência acrítica?
É tentador imputar aos outros a responsabilidade pela deterioração dos princípios éticos, mas será que examinamos, com igual rigor, as nossas próprias condutas? A integridade individual constitui a pedra angular de uma sociedade equitativa. Pequenos atos de desonestidade — do simples passar à frente na fila ao não respeitar uma regra de trânsito — corroem, insidiosamente, o tecido social. A ética não pode ser concebida como uma abstração distante; deve ser incorporada na práxis quotidiana. Em que condições podemos reivindicar transparência e responsabilidade dos nossos dirigentes se, enquanto indivíduos, negligenciamos esses mesmos valores?
No domínio público, a ética deveria ser um princípio inviolável. E assim assumida por quem exerce funções desta natureza, em primeira linha. No entanto, não temos dificuldade em encontrar, no mar das perceções, episódios reais de nepotismo, corrupção, favorecimento pessoal e outros que tais, quais espécies bentónicas que, de quando em vez, surgem à tona da água e nem sempre se desvanecem na espuma dos dias. A ausência de mecanismos eficazes de escrutínio e responsabilização compromete a credibilidade das instituições e perpetua ciclos de impunidade, que têm preço, habitualmente alto. Existem soluções viáveis, mas que se não constituírem uma crença absoluta de quem de direito, jamais passarão de promessas (e enganos) vãs: maior rigor nos processos de fiscalização, implementação de práticas administrativas transparentes e, acima de tudo, a consolidação definitiva de uma cultura de prestação de contas, onde os desvios éticos sejam enfrentados com medidas corretivas inequívocas.
Na esfera política, o desmoronamento da ética tem repercussões particularmente nefastas. A erosão da confiança dos cidadãos nos seus representantes é um sintoma de um sistema que, em demasiadas ocasiões, subordina o interesse coletivo a lógicas partidárias ou individuais. A ética política não pode permanecer no domínio da retórica vazia: deve traduzir-se em compromissos concretos, sustentados por normas rigorosas e uma transparência intransigente que permita o escrutínio público permanente. Apenas com uma fiscalização eficaz e mecanismos que garantam a visibilidade e rastreabilidade das decisões políticas podemos assegurar que o poder é exercido em benefício da sociedade e não em função de interesses particulares. Caso contrário, a dissociação entre governantes e governados continuará a expandir-se, e a alimentar o cinismo e a alienação cívica.
Se a nossa ambição, enquanto sociedade, é experienciar um ambiente social cada vez mais equitativo e sustentável, a ética deve constituir o eixo orientador, o fio de prumo das nossas escolhas, tanto a nível individual como coletivo. Legislar, apregoar, criar entidades e inventar mecanismos pode parecer que convence, mas do que precisamos é de uma verdadeira transformação de paradigma cultural. Enquanto persistirmos na complacência e na aceitação tácita da impunidade, qualquer passo afundar-se-á na instabilidade do terreno.
A ética não deve ser encarada como um fardo ou uma utopia inatingível. Pelo contrário, é a única fundação sólida sobre a qual uma sociedade pode evoluir sem se precipitar no caos.