Poderio militar: o Ocidente contra o ‘Eixo da Revolta’

Poderio militar: o Ocidente contra o ‘Eixo da Revolta’


O termo ‘Eixo da Revolta’ foi cunhado no ano passado por dois analistas americanos. A ameaça é real, e a capacidade militar é superior à ocidental em vários setores. Ainda assim, o Ocidente pode explorar fraturas e o desgaste provocado no bloco durante os últimos três anos.


No discurso anual do Estado da Nação, em 2002, o então Presidente americano George W. Bush, na ressaca dos atentados de 11 de setembro do ano anterior, cunhou o termo ‘Axis of Evil’ (Eixo do Mal, em português). A terminologia aplicava-se a três Estados – Irão, Iraque e Coreia do Norte – que prestavam apoio a organizações terroristas, que estavam no processo de aquisição de armamento de «destruição maciça» e que, nas palavras de Bush, estavam-se a «armar para ameaçar a paz do mundo». A alusão às potências do Eixo que lutaram na II Guerra Mundial parece evidente, e estas declarações, às quais se seguiram as guerras no Médio Oriente, ficarão para a história não só da região como também da política externa americana, colocando em evidência os seus erros de cálculo.

Perto do final da primeira década do século XXI, mais precisamente em 2008, Barack Obama vence as eleições e sucede a Bush na Casa Branca. É também nesse ano que os Estados Unidos e, consequentemente, o mundo ocidental se veem a braços com uma das piores crises financeiras desde a Grande Depressão de 1929. A partir desse ponto, com as economias avançadas a definhar e a tentar encontrar soluções para o problema, surge um novo leque de países, as chamadas Economias Emergentes, que apresentam indicadores económicos mais favoráveis e uma robustez superior após o impacto do desastre. Deste leque, a China destaca-se claramente e através de uma estratégia diplomática mais recatada vai ganhando o seu espaço no sistema internacional, até chegar ao ponto de se tornar na potência com maiores probabilidades de desafiar o status quo, a saber, a ordem internacional unipolar pautada pela hegemonia americana.

Líder de um grupo que, de certa forma, advogava por um sistema mais inclusivo, no qual os países do chamado Sul Global não fossem colocados à margem – os BRICS –, Pequim foi desenhando um sistema de alianças com potências insatisfeitas com o domínio americano.

O Eixo da Revolta

As invasões russas da Geórgia em 2008 e da Ucrânia, mais especificamente da Crimeia, em 2014 também deixaram claras as intenções de Moscovo. Assim, e após a invasão a larga escala da Ucrânia em 2022, e a conjuntura que emergiu posteriormente, revelaram de forma mais evidente um novo eixo.

No ano passado, Richard Fontaine e Andrea Kendall-Taylor, dois analistas do Center for a New American Security (CNAS), cunharam o termo ‘Axis of Upheaval’ (Eixo da Revolta, em português) para delimitar o grupo de países cuja revolta com o sistema liderado pelos EUA é indubitável. À semelhança do Eixo do Mal, o Irão e a Coreia do Norte também estão presentes nesta nova coligação, mas, desta vez, os seus parceiros são as duas maiores potências mundial depois dos Estados Unidos: a China e a Rússia.

«A cooperação entre os quatro países estava em expansão antes de 2022», explicam os analistas do CNAS, «mas a invasão da Ucrânia pela Rússia acelerou o aprofundamento dos seus laços económicos, militares e tecnológicos. Ligadas por uma oposição comum a uma ordem global liderada pelos EUA, as quatro potências estão a crescer em força e coordenação e estão inclinadas para a revolta». «Os Estados Unidos e os seus parceiros», avisam, «devem tratar este novo eixo como o desafio geracional que é».

Desafios e capacidade militar

Cada um dos membros do Eixo da Revolta ameaça a ordem estabelecida à sua maneira. A Rússia na Ucrânia e no Leste da Europa, a China em Taiwan e no Mar do Sul da China, o Irão no Médio Oriente, e a Coreia do Norte como uma espécie de muleta, como se verificou no envio de tropas para o terreno na Ucrânia.

Tendo isto em conta, a pergunta que se coloca é a seguinte: estará o Ocidente à altura da ameaça? Utilizando o índice de poder da Global Fire Power, os Estados Unidos lideram o ranking, mas seguidos de muito perto pela Rússia e pela China. Nos primeiros 10, encontram-se, para além dos EUA, mais cinco aliados ocidentais: Coreia do Sul em quinto, Reino Unido em sexto, França em sétimo, Japão em oitavo e Itália em décimo. Da lista constam ainda a Índia e a Turquia, cuja geoestratégia é bastante flexível e não são propriamente aliados de um dos lados, mesmo que os turcos façam parte da NATO.

Assim, como mostram os gráficos, cujos números foram dados pela ferramenta ‘Coalitions Builder’ também da Global Fire Power, vemos como a aliança ocidental, que, para a elaboração desta figura, integra os membros presentes no top 10, se superioriza em apenas dois setores – poder aéreo e VBC´s – em relação ao Eixo da Revolta. Estes últimos apresentam uma capacidade bastante superior em termos de carros de combate, em artilharia autopropulsada e de rockets e, claro, na chamada força de trabalho. É importante também ter em conta que o Eixo conta com uma população de 1,6 mil milhões de cidadãos, enquanto estes seis países ocidentais ficam longe dos mil milhões (cerca de 717 milhões). Não é de menor importância destacar ainda o rumo que a Europa seguiu na última década e meia, salvaguardada pelo poderio americano, e que agora corre para se rearmar.

Um Eixo enfraquecido?

Se há muito a unir o Eixo da Revolta, também há aspetos que os separam. Estes limites, principalmente na ligação Moscovo-Pequim, foram bem explicados por Kelth Johnson numa coluna para a revista Foreign Policy intitulada ‘The Very Real Limits of the Russia-China ‘No Limits’ Partnership’ (Os limites muito reais da parceria ‘sem limites’ Rússia-China, em português), onde destaca a ameaça que a cooperação militar entre estas duas potências representa, mostrando a fraqueza através da sua relação comercial bilateral.

Também Fareed Zakaria, no seu programa Global Public Square (GPS) da CNN, mostrou como o Eixo da Revolta tem vindo a ficar enfraquecido nos últimos tempos, dando valor à presidência de Joe Biden ao mesmo tempo que aponta para as oportunidades que Donald Trump agora possui. «O ‘Eixo da Revolta’ – Rússia, China, Irão e Coreia do Norte – está em muito pior estado do que há quatro anos», diz o especialista em Relações Internacionais. «Parte deste facto deve-se à sorte», continua, «mas outra parte é o produto de uma boa estratégia e de um trabalho meticuloso. Em todo o caso, esta nova realidade oferece algumas oportunidades reais ao Presidente eleito Donald Trump para obter ganhos significativos durante o próximo ano».

Assim, e após analisar as respetivas capacidades militares, a frente Ocidental está ainda em posição de enfrentar o Eixo, principalmente pela capacidade nuclear americana, só comparável à da Rússia, que ocupa a primeira posição do ranking, e pelo enfraquecimento do bloco, como mostram Johnson e Zakaria. Porém, o aparecimento deste Eixo da Revolta não deixa de ser uma ameaça real ou mesmo, para utilizar o termo de Fontaine e Kendall-Taylor, «geracional».