Nos últimos meses têm sido várias as notícias que dão conta de episódios perturbadores passados em escolas que têm tido crianças autistas como vítimas. No final de janeiro, por exemplo, um aluno no espectro foi brutalmente agredido por um colega na Escola Fragata do Tejo, na Moita. O confronto envolveu dois jovens, com idades entre os 13 e os 15 anos. Nas imagens, o aluno agredido aparece no chão a ser brutalmente atacado durante um minuto e meio, sem possibilidade de defesa. Pelo menos 10 colegas assistiram ao ato, muitos deles filmaram com os telemóveis, sem que houvesse funcionários presentes no local.
São vários os estudos que revelam que o autismo está a aumentar a um ritmo alarmante. Os dados mais recentes divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) referem que uma em cada 100 crianças é diagnosticada com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), e estima-se que em Portugal existam mais de 60 mil pessoas autistas. Mas, infelizmente, parece que as respostas continuam a ser insuficientes… E muitas escolas têm dificuldade em gerir estes meninos «especiais» que necessitam de acompanhamento técnico.
Segundo Maria Izabel Cupertino, desde outubro do ano passado que a sua família vive um pesadelo. O seu neto, um menor de 14 anos – ao qual vamos dar o nome de João –, com Transtorno do Espectro do Autismo – TEA, não verbal, com Relatório Técnico Pedagógico (RTP) e Programa Educativo Individual (PEI), frequentava a Escola Básica 2,3 Professor Delfim Santos há dois anos. Como consequência da sua condição «é extremamente sensível em termos auditivos, podendo sofrer sobrecargas sensoriais provocando desregulações emocionais». Facto que, garante a sua mãe, vem acontecendo com alguma regularidade desde que transitou para esse estabelecimento de ensino.
No dia 29 de outubro de 2024, como era habitual, a mãe levou o filho à escola e deslocou-se depois para o café em frente, para ali trabalhar. É engenheira, mas desde que o filho se mudou para a Delfim Santos, teve de adaptar a sua forma de trabalho para estar sempre por perto. O dia passou, foi buscar o filho à escola e o menino estava calmo. O que não imaginava é que no final do dia seguinte, iria receber uma chamada da Polícia por uma queixa apresentada contra João, por uma das professoras de ensino especial. Segundo a própria, o agente disse ainda que seriam acionados os procedimentos de encaminhamento da queixa para o Tribunal de Menores (onde o caso se encontra neste momento).
De acordo com Maria Izabel Cupertino, o neto terá tido uma desregulação emocional e a professora presente na sala – que não era a responsável que habitualmente tomava conta do João –, alega ter sentido a sua integridade física «ameaçada». Algum tempo depois, a mãe foi também notificada para entrevista na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens – CPCJ, na sequência do processo iniciado. Desde então, que o jovem não vai à escola.
«Note-se que para um aluno de 14 anos com TEA e sem consciência, a escola mostra total incapacidade para lidar com estas crianças. Sendo para mais uma escola de ‘referência para o Autismo’, com uma professora de EE, em sala de ensino especial», lamenta Maria Izabel Cupertino que é também presidente do Lions Clube Lisboa Inclusão. «É importante referir que ao defender o meu neto, defendo os netos todos. O autismo é uma causa muito pouco conhecida. É uma luta muito solitária», alerta. «A escola usa chamar a Polícia para acalmar uma criança que está à guarda da mesma, em vez de usar os meios de a acalmar (diz-se escola inclusiva) e dar conhecimento aos pais. Onde está a capacitação?! O que provocou a desregulação emocional da criança? A Escola abriu um inquérito para apurar? Qual o objetivo pedagógico da professora de apresentar uma queixa-crime contra um aluno NEE com uma deficiência grave que é inimputável?», interroga ainda exaltada.
«O meu neto é não verbal. Um bebé grande. Depende muito dos pais. Não pode ficar sozinho, precisa de apoio para as suas higienes, etc. É realmente muito inteligente, mas também na medida da sua inteligência vai percebendo que é diferente em relação aos outros», continua a avó que assegura que o João foi vítima de «exclusão» e «discriminação».
Pais afastados?
Para Maria Izabel Cupertino é importante referir que o neto frequentava uma das salas CAA (salas de apoio às aprendizagens). Por norma, nesse espaço, está sempre uma professora de ensino especial e as assistentes operacionais. «Pouco tempo antes deste episódio ocorrer, tinham juntado as duas salas de CAA – por falta de pessoal. Já viu o dobro dos miúdos com duas professoras de ensino especial? A professora do João – com a qual ele sente mais confiança –, não estava no momento em que ele teve a desregulação», aponta.
Além disso, antigamente, segundo a mesma, havia uma maior comunicação entre os pais destes jovens e a escola. «Ele estava constantemente nervoso, ligavam à mãe para ir buscá-lo. Lá ia ela a correr. Uma vez, ele só esteve 30 minutos na escola», conta. «Estava sempre disponível! Sempre em frente à escola», garante. Até que, de acordo com a avó, a escola impôs uma nova regra… Os pais deixaram de poder passar da porta… Mais tarde, nem podiam passar do portão. «Deixava o meu neto ao portão e uma assistente operacional levava-o à sala. Isto é horrível para crianças que precisam de rotinas», explica. Para si, «o maldoso nisto é que a mãe estava sempre ao pé da escola». «Eles sabem isso», frisa.
Falta de entendimento
Depois de uma longa insistência por parte da família, alega Maria Izabel Cupertino, seguiu-se uma reunião entre si, a sua filha e o diretor do agrupamento, Amílcar Francisco Albuquerque dos Santos. «Explicámos-lhe tudo. ‘Se numa creche um bebé mandar um objeto à cabeça da professora, chamam a polícia?’, interroguei. Disse-me que esta situação era ‘diferente’. Porquê? Um autista severo é um bebé! Pedimos-lhe que a professora retirasse a queixa e fizesse um pedido de desculpas oficial. Passaram três semanas até novo contacto. A 29 de novembro, recebemos uma Carta Registada enviada pela República Portuguesa com a resposta do Sr. Diretor do Agrupamento», lembra. O que vinha no conteúdo da mesma, deixou-as «chocadas».
Sobre a exigência de um pedido de desculpas pela docente em questão, o responsável pelo agrupamento explica que «tal pedido não tem cabimento», já que «qualquer docente, como qualquer cidadão, tem o direito a fazê-lo em circunstâncias semelhantes». «Apesar da abordagem poder ser feita com recurso primeiro aos serviços de saúde e notificado o E. E., tal não coíbe qualquer docente de apresentar a devida queixa. É um direito individual que o Diretor não pode coibir», lê-se no documento.
De acordo com o mesmo, depois da reunião com a mãe e avó da criança, foram implementadas algumas soluções «para melhor cumprir o propósito educativo do aluno», entre elas: «A criação de uma segunda sala, possibilitada pela contratação de mais um técnico na área de educação especial» e a «possibilidade dos encarregados de educação, sempre que considerem necessário, acederem à escola, entregando os alunos no bloco respetivo e, caso exista premência, poderem trocar informação com as Assistentes Operacionais da unidade de apoio estruturado ou com a docente respetiva».
No entanto, na opinião de Maria Izabel Cupertino, as soluções que o sr. diretor apresenta «como grandes conquistas», são apenas «reposições de bom senso, mas que em nada contribuem para o caso em questão». Tal como referido anteriormente pela própria, estas eram «práticas correntes dos anos anteriores que tinham sido eliminadas no início do ano letivo sem explicação».
Queixas à Polícia
Segundo a mãe da criança, o ano passado um menor também com TEA passou pelo mesmo procedimento e foi alvo de processo disciplinar; este ano a 19 de novembro de 2024, e já após a reunião que teve com a direção, outra criança com TEA, num episódio de desregulação com a mesma professora de educação especial, o método de estabilização a que recorreram foi chamar o INEM. De acordo com a família, o pedido de desculpa que queria obter resulta «desta metodologia, de queixas à Polícia, já utilizada no passado com outros Alunos NEE, ser totalmente inaceitável».
E a família interroga: «Será esta a maneira que esta escola arranjou para promover a transferência dos alunos que não deseja, não querendo assumir a sua incapacidade de meios para os ter, culpando-os e tratando-os como delinquentes e ameaças, desgastando as famílias e forçando-as a procurar alternativas?».
No fim da carta, Amílcar Francisco Albuquerque dos Santos refere que a instituição de ensino «continuará a acompanhar o caso do aluno e de todos à sua confiança, tentando melhorar, a cada passo a sua intervenção, com as limitações inerentes ao facto de que é uma escola e não tem serviço de saúde, nomeadamente psiquiátrico, e ter limites físicos e humanos à sua ação».
Porém, Maria Izabel Cupertino garante que o neto não regressou à escola. «O sr. diretor termina a carta sugerindo que a condição do Aluno NEE associada à sua compleição física e à incapacidade de meios da escola estaria melhor servido num Serviço de Saúde de Psiquiatria, demonstrando uma enorme falta de sensibilidade e respeito para com a criança e sua família, total discriminação para com o Aluno NEE e desprezo pelo acesso à Educação Inclusiva», lamenta a família.
O Nascer do SOL tentou contactar o diretor do agrupamento, mas sem sucesso.