Instabilidade internacional penaliza mais economia do que crise política

Instabilidade internacional penaliza mais economia do que crise política


A estagnação da economia alemã e a ‘ameaça’ da guerra comercial com os Estados Unidos pressionam mais o crescimento económico português do que um cenário de eleições antecipadas


A instabilidade internacional com destaque para a Alemanha e para os Estados Unidos ‘ameaçam’ mais a economia portuguesa do que a crise política e o possível cenário de eleições antecipadas, admitem os economistas contactados pelo Nascer do SOL. 

João César das Neves reconhece que a economia está a crescer «razoavelmente, embora menos do que seria necessário para subir na ordem das economias europeias», mas admite que «o nebuloso quadro internacional torna muito difícil fazer uma previsão. A contração recente do investimento pode representar problemas na evolução próxima». Quanto à instabilidade instabilidade política afirma: «Em si, pouco ou nada afeta os negócios», apesar de poder «acrescentar alguma incerteza, o que é negativo num quadro internacional que já é muito incerto. Pior é o facto de, num quadro de Governo minoritário, as medidas populistas terem precedência sobre as necessárias».

De acordo com o economista, o caso alemão é complexo, mas a economia continua a ser decisiva para a Europa. «A forma como restruturar a sua economia vai ser central para ela e para nós. Se conseguisse um sucesso nessa transformação produtiva – como fez na viagem do milénio – seria excelente para todos, mesmo se difícil», salienta.

E também vê com preocupação as tarifas acenadas por Donald Trump. «Serão muito más, sobretudo para a economia americana, mas também para as dos parceiros. Tão más que talvez nem sequer se mantenham muito tempo», refere.

A guerra comercial com os EUA

Uma opinião partilhada por António Nogueira Leite. «Estou mais preocupado com o cenário internacional e todo o risco que está envolvido em saber se vamos ou não ter uma guerra comercial com os Estados Unidos e o que isso possa fazer ao ambiente geral e à perspetiva dos investidores, por um lado. Por outro lado, em relação ao risco de haver eleições, talvez o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] progrida mais devagar ou tenha alguma dificuldade em continuar. Mas também a sua execução tem sido problemática desde o início, mas não penso que seja tão determinante para o futuro, dada a maneira como acabou por ser aplicada», acrescenta. 

O economista defende que num cenário de eleições, «os maiores e principais problemas serão mais estruturais e serão de médio e longo prazo que é o afastamento das pessoas em relação à classe política. A maior parte das pessoas com que falo todas mostram um grande afastamento que antes não era assim tão grande. Pensam que não nos resolvem os problemas, mas também não nos deixam espaço para andar com o país para a frente e andarmos com as nossas vidas porque ao andarmos com nossas vidas também andamos com o país para a frente». 

E não hesita: «O que mais me preocupa é mais a descredibilização geral. Olhando para o curto prazo, se houver eleições provavelmente vão ser em maio ou junho. Não é isso que altera muitas circunstâncias. As pessoas estão mais preocupadas com o ambiente internacional, porque se percebe que é novo, que tem muitos riscos e não ter um mínimo de âncora nacionalmente. É evidente que isso vai ter algum efeito, mas não é isso que mais me preocupa. Preocupa-me mais o que pode acontecer à Europa e o que é que pode acontecer ao euro no médio prazo», diz ao nosso jornal. 

A economia portuguesa deverá crescer este ano entre 1,7% e 2,1%. As estimativas são do Fórum para a Competitividade e surgem depois de o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter apontado para uma subida de 1,9%, enquanto o Ministério das Finanças e o Conselho das Finanças Públicas terem avançado com 1,8% e a Comissão Europeia, o Banco de Portugal e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com 1,7%. É certo que são estimativas apontadas antes do despoletar da crise política.

Aliás, os últimos dados tem apontado para o facto de a economia nacional estar a crescer mais do que a zona euro. Uma tendência que é aplicada por César das Neves. «Tem muito a ver com a recuperação da pandemia, que foi especialmente negativa por cá, e por isso o ressalto foi maior, e também com o facto de estarmos muito longe dos conflitos no Leste, que nos afetam muito pouco».

Pressão para a Defesa

Os economistas ouvidos pelo nosso jornal admitem ainda que vamos assistir a um aumento da despesa para a Defesa. «Esses gastos vão pressionar os Orçamentos de estados europeus, exigindo, para os compensar, cortes na despesa ou subida de impostos e/ou de endividamento. Em qualquer caso, o desvio de verbas para fins militares, mesmo indispensáveis, serão prejudiciais para a economia e sociedade civis. Portugal, longe dos eventuais conflitos, terá certamente mais inércia em avançar com esses gastos», chama a atenção César das Neves.

Também Nogueira Leite reconhece que esse reforço de verba para a Defesa vai acabar por ser mais um acréscimo para Portugal e para todos os países europeus. Mas deixa um aviso: «António Costa apareceu esta semana a prometer apoio europeu à reconstrução de Gaza. Mas o que é que a Europa tem a ver com isto? Quer dizer, não nos conseguimos defender neste momento, não estamos por trás dos ataques do Hamas. Não patrocinámos a destruição que Israel levou a cabo, então porque é que nós temos de ajudar? Esta ideia da Europa de está em todas, mas não manda nada, não é bom para o futuro da Europa, nem para cada um dos países. Isto é típico da Europa, vamos meter uma pipa de massa a reconstruir Gaza e não temos nenhuma influência sobre nem uns nem outros». 

Situação diferente, de acordo com o mesmo, é o que se passa na Ucrânia. «Tem a ver com a nossa segurança, não é comparável. O problema é que António Guterres trata todos por igual, mas acho que ele está desfasado do mundo». 

Ainda esta semana, Ursula von der Leyen anunciou um programa para reforçar a defesa na União Europeia. No total podem ser mobilizados 800 mil milhões de euros. No entanto, a presidente da Comissão Europeia garante que o investimento não vai agravar o défice. «Se os Estados-membros aumentassem as suas despesas com a defesa em 1,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em média, isso poderia criar uma margem orçamental de cerca de 650 mil milhões de euros durante um período de quatro anos», acrescentando que «esta medida permitirá que os Estados-Membros aumentem significativamente as suas despesas com a Defesa sem desencadear o procedimento por défice excessivo».