Os líderes europeus reuniram-se no passado domingo em Londres com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para discutir o papel da Europa na resolução do conflito. Na cimeira, para além dos governantes de 11 países da União Europeia – França, Alemanha, Espanha, Itália, República Checa, Roménia, Dinamarca, Países Baixos, Noruega, Polónia, Finlândia e Suécia, estiveram também presentes o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, o Presidente turco, Recep Erdogan, o Secretário-Geral da NATO, Mark Rutte, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, o Presidente do Conselho Europeu, António Costa, e, claro, o anfitrião Keir Starmer, primeiro-ministro do Reino Unido.
A reunião aconteceu dois dias após o episódio na Sala Oval entre Donald Trump, J. D. Vance e Zelensky, onde soaram novamente os alarmes de uma retirada americana, fazendo recair sobre os europeus – e restantes membros da Aliança Atlântica – a responsabilidade pela ajuda aos ucranianos. O lema da conferência, que aconteceu na Lancaster House, no centro da capital britânica, foi «Securing Our Future»
Divisão do Ocidente?
Com as tensões entre Washington e a Europa, há certamente o risco de uma rutura. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, reforçou a ideia de que é necessário «evitar o risco de dividir o Ocidente», processo no qual «o Reino Unido e a Itália podem desempenhar um papel importante na construção de pontes». «É muito importante que falemos uns com os outros, que nos coordenemos», disse a líder italiana. «Tenho proposto uma reunião entre os líderes americanos e europeus. Se nos dividirmos, ficaremos todos mais fracos», concluiu.
As divergências ideológicas entre a maioria dos líderes europeus e a administração americana são também uma barreira difícil de ultrapassar, e é por isso que Meloni pode ser uma peça-chave na reaproximação. Consegue falar a língua de Donald Trump e de J. D. Vance – um conservadorismo assente em valores e cultura comuns – e está alinhada com a Europa quanto à guerra na Ucrânia, o que lhe poderá permitir ser uma interlocutora de importância acrescida num diálogo que todos os que estão realmente empenhados numa paz sustentável consideram indispensável.
Planos ambiciosos
Ontem, os líderes da UE voltaram a encontrar-se em Bruxelas numa cimeira extraordinária, cujo tema é precisamente o mesmo. Na terça-feira, Von der Leyen expôs um plano, avaliado em 800 mil milhões de euros, que visa o rearmamento da Europa num momento em que a relação transatlântica não está no seu melhor momento. «Estamos numa era de rearmamento», disse a Presidente da Comissão Europeia, «e a Europa está pronta para aumentar de forma massiva as suas despesas em defesa, tanto para responder à urgência a curto prazo de agir e apoiar a Ucrânia, como para responder à necessidade a longo prazo de assumir uma maior responsabilidade pela nossa própria segurança europeia». Segundo a Euronews, o plano assenta em cinco medidas base, das quais consta um «novo instrumento para angariar 150 mil milhões de euros nos mercados e conceder empréstimos aos Estados-membros que pretendam investir em capacidades como a defesa antimíssil, sistemas de artilharia, mísseis e munições, drones e sistemas anti-drone ou na mobilidade militar». «Os empréstimos seriam garantidos por uma margem de manobra no orçamento da UE, explicou um funcionário da EU que falou sob condição de anonimato», pode ler-se também no website da Euronews.
Há poucos dias, o Presidente da Finlândia, Alexander Stubb, surgiu também com uma proposta que pode desatar o impasse, fomentado pela incerteza e pela desconfiança em Vladimir Putin, do cessar-fogo. A ideia, apresentada primeiro pelo Senador americano Lindsey Graham, prevê a entrada automática da Ucrânia na NATO em caso de de violação do possível acordo de cessar-fogo. «Se não conseguirmos que [os ucranianos] entrem na NATO neste momento», disse Graham ao Politico, «a minha ideia é sermos claros: dizer a Putin que se voltar a fazer isto, se houver outra incursão russa na Ucrânia, isso implica a admissão automática da Ucrânia na NATO».
Assim, fica em aberto a questão do que realmente fará a Europa para voltar a ser um player ativo no cenário internacional, mas tudo indica que o rearmamento é o caminho. Quanto à situação da Ucrânia, os planos poderão estar a ser executados tarde demais, sendo que Zelensky já se mostrou aberto a uma colaboração de paz sob a liderança de Trump, estando disponível a assinar o acordo dos minerais. Há também especialistas que defendem a hipótese de o conflito ucraniano acabar de forma semelhante ao da Coreia, em meados do século passado.
Uma nova Coreia?
A possibilidade de que o desfecho na Ucrânia seja semelhante ao da Coreia, na década de 1950, é uma tese que tem vindo a ser abordada ao longo do conflito. Edward M. Druce, ex-assessor especial do executivo britânico que expõe análises dos eventos atuais com base em acontecimentos históricos, fortaleceu o argumento acerca desta questão numa publicação na rede social X, recorrendo ao livro “The Korean War” de Carter Malkasian: «Rhee [Presidente da Coreia do Sul] opôs-se veementemente ao armistício. Queria a Coreia unificada e que todas as forças chinesas fossem retiradas da Coreia. Os coreanos encheram as ruas de Seul e de outras cidades da Coreia do Sul para se manifestarem. A maioria dos sul-coreanos apoiava a posição do Presidente Rhee de que o armistício não deveria ser concluído enquanto a Coreia do Norte não fosse libertada. Rhee era intransigente». «[Em 1953, Walter Robertson [Secretário de Estado Adjunto] e o General Clark [Comandante das forças das Nações Unidas] conferenciavam diariamente com o Presidente sul-coreano Rhee», continua Druce, citando Malkasian, «ameaçando-o com uma retirada americana se não cooperasse no armistício e prometendo-lhe ajuda americana virtualmente ilimitada se o fizesse. Rhee resistiu à pressão, ajudado por relatórios dos Estados Unidos que pareciam indicar uma quase revolta dos senadores republicanos contra a sua própria Administração». Tal como aconteceu recentemente com Zelensky, «acabaram por persuadir Rhee de que era inútil a Coreia do Sul tentar agir sozinha. Em 8 de julho [15 dias antes da assinatura do Acordo de Armistício da Coreia], Rhee emitiu finalmente uma declaração pública prometendo cooperar».
A história aqui aplicada parece ser um dos caminhos mais prováveis para o fim do conflito ucraniano, o que faz com que as intenções de rearmamento da Europa sejam mais a médio ou longo prazo do que propriamente para resolver o conflito atual.