Da guerra, modo europeu


Bismarck merece ser recordado, ao dia de hoje, pelo aforismo: “Nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça.”


            Março inaugura a fase baixa do calendário venatório, limitado em Portugal – à nossa dimensão – à caça “grossa” (javali, veado, corço, muflão). Havendo agora menos caça, poderia haver menor desgaste da verdade. Para compensar, ficámos ontem servidos em matéria de novas eleições e estamos hoje de volta dos preparativos para a guerra, mos europaei. Marcelo e Macron, em separado, falaram cada um à sua Nação. O gaulês anunciou o fim dos dividendos da paz para a geração presente, constatou a debandada dos EUA da defesa da Europa e candidatou-se a substituí-los, começando por aceitar inscrições para os que se queiram abrigar debaixo do guarda chuva nuclear francês. Para garantir a melhor ocupação do abrigo, chamou pelo nome os alemães, esperando que, em matéria de defesa, se deixem guiar com mais cordura do que em relação a outras (política orçamental, concorrência, agricultura, política industrial, relações com a China,…).

            Quando António Costa convocou o Conselho Europeu extraordinário de dia 6 de Março, ainda Trump não tinha levado a cabo o descasca pessegueiro de Zelensky e, bem pior, não tinha suspenso a entrega de armas, munições e INTEL aos ucranianos. Sempre disponível para anunciar mais uma cornucópia de planos, a Presidente da Comissão Europeia anunciou no dia 4 o REARM Europe. Sendo o orçamento da UE infinitamente mais pequeno do que o orçamento federal dos EUA, a proposta de Von der Leyen traduz-se no verter da pouca liquidez existente para novas vasilhas. A Comissão propõe aos Estados-membros: contrair um empréstimo de 150 mil milhões de euros para financiar o re-armamento dos Estados membros; suspender, para as despesas em defesa, os limites ao défice previstos no Pacto de Estabilidade e Crescimento (e assim espera que os Estados gastem 650 mil milhões de euros); rever os objectivos e modalidades de financiamento da Política de Coesão, incluindo a defesa, abrangendo o financiamento de grandes empresas e afrouxando as limitações da política de concorrência à sua concentração; mudar os fins do Banco Europeu de Investimento para passar a incluir projectos exclusivamente militares; e, pela enésima vez, concluir o mercado interno de capitais para aumentar a atractividade da UE (quando comparada como mercado de capitais dos EUA).

            Aqui por Xelas o REARM Europe já ganhou o petit nom de Re-Harm Europe. Não é difícil perceber porquê. Estamos a vver uma nova implosão dos partidos tradicionais, com o aumento do multipartidarismo, um crescendo do nacionalismo, do isolacionismo e do extremismo de direita, frequentemente xenófobo e racista. A economia arrefece, a inflação resiste e a perspectiva de uma guerra comercial com os EUA não anima, nem o consumo, nem o investimento.

            Nesta conjuntura é muito pouco provável que os Estados da UE se apressem a duplicar a despesa pública em defesa. Não podendo aumentar os impostos ou financiar mais dívida, aos europeus só sobra a redução da despesa social (saúde, educação, segurança social, transportes,…). O gasto com manteiga rende votos. O gasto com canhões não. Claro que se pode defender que o gasto hoje com canhões garante a manteiga de amanhã. Mas podemos introduzir duas variáveis para tornar o exercício mais realista: o tamanho do canhão (e o tempo que demora a crescer, já que os equipamentos de defesa não estão imediatamente disponíveis) e o custo comparado do free ride (para o vassalo qual é o suserano mais generoso? EUA? Rússia? França? China?).

Da guerra, modo europeu


Bismarck merece ser recordado, ao dia de hoje, pelo aforismo: “Nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça.”


            Março inaugura a fase baixa do calendário venatório, limitado em Portugal – à nossa dimensão – à caça “grossa” (javali, veado, corço, muflão). Havendo agora menos caça, poderia haver menor desgaste da verdade. Para compensar, ficámos ontem servidos em matéria de novas eleições e estamos hoje de volta dos preparativos para a guerra, mos europaei. Marcelo e Macron, em separado, falaram cada um à sua Nação. O gaulês anunciou o fim dos dividendos da paz para a geração presente, constatou a debandada dos EUA da defesa da Europa e candidatou-se a substituí-los, começando por aceitar inscrições para os que se queiram abrigar debaixo do guarda chuva nuclear francês. Para garantir a melhor ocupação do abrigo, chamou pelo nome os alemães, esperando que, em matéria de defesa, se deixem guiar com mais cordura do que em relação a outras (política orçamental, concorrência, agricultura, política industrial, relações com a China,…).

            Quando António Costa convocou o Conselho Europeu extraordinário de dia 6 de Março, ainda Trump não tinha levado a cabo o descasca pessegueiro de Zelensky e, bem pior, não tinha suspenso a entrega de armas, munições e INTEL aos ucranianos. Sempre disponível para anunciar mais uma cornucópia de planos, a Presidente da Comissão Europeia anunciou no dia 4 o REARM Europe. Sendo o orçamento da UE infinitamente mais pequeno do que o orçamento federal dos EUA, a proposta de Von der Leyen traduz-se no verter da pouca liquidez existente para novas vasilhas. A Comissão propõe aos Estados-membros: contrair um empréstimo de 150 mil milhões de euros para financiar o re-armamento dos Estados membros; suspender, para as despesas em defesa, os limites ao défice previstos no Pacto de Estabilidade e Crescimento (e assim espera que os Estados gastem 650 mil milhões de euros); rever os objectivos e modalidades de financiamento da Política de Coesão, incluindo a defesa, abrangendo o financiamento de grandes empresas e afrouxando as limitações da política de concorrência à sua concentração; mudar os fins do Banco Europeu de Investimento para passar a incluir projectos exclusivamente militares; e, pela enésima vez, concluir o mercado interno de capitais para aumentar a atractividade da UE (quando comparada como mercado de capitais dos EUA).

            Aqui por Xelas o REARM Europe já ganhou o petit nom de Re-Harm Europe. Não é difícil perceber porquê. Estamos a vver uma nova implosão dos partidos tradicionais, com o aumento do multipartidarismo, um crescendo do nacionalismo, do isolacionismo e do extremismo de direita, frequentemente xenófobo e racista. A economia arrefece, a inflação resiste e a perspectiva de uma guerra comercial com os EUA não anima, nem o consumo, nem o investimento.

            Nesta conjuntura é muito pouco provável que os Estados da UE se apressem a duplicar a despesa pública em defesa. Não podendo aumentar os impostos ou financiar mais dívida, aos europeus só sobra a redução da despesa social (saúde, educação, segurança social, transportes,…). O gasto com manteiga rende votos. O gasto com canhões não. Claro que se pode defender que o gasto hoje com canhões garante a manteiga de amanhã. Mas podemos introduzir duas variáveis para tornar o exercício mais realista: o tamanho do canhão (e o tempo que demora a crescer, já que os equipamentos de defesa não estão imediatamente disponíveis) e o custo comparado do free ride (para o vassalo qual é o suserano mais generoso? EUA? Rússia? França? China?).