A noite de domingo consagrou Ainda Estou Aqui com o Óscar para Melhor Filme Estrangeiro. Baseado na autobiografia de Marcelo Rubens Paiva, recentemente publicada em Portugal (D. Quixote), a fita conta o drama da família do engenheiro e político Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar, e a luta da sua mulher, uma advogada que se torna ativista e uma voz incómoda para o regime. O percurso triunfante da longa metragem de Walter Salles, que começou com uma longa ovação na estreia no Festival de Veneza, culminou com a estatueta dourada em Hollywood. É a primeira vez que um filme brasileiro conquista um Óscar.
Já Fernanda Torres não conseguiu repetir a façanha dos Globos de Ouro, onde tinha sido considerada a melhor atriz. “Sou uma pessimista por natureza”, reagiu, dizendo que esperava não ganhar. E revelou que já se considera “mais do que feliz” com o Globo de Ouro arrecadado em Londres.
A distinção da Academia foi para Mikey Madison, que protagonizou Anora. Esta história de uma stripper que se envolve com o filho de um oligarca russo venceu também os Óscares mais desejados: Melhor Filme e Melhor Realizador.
Extra-cinema Na boa tradição dos prémios da Academia, o apresentador, Conan O’Brien, não perdeu a oportunidade para fazer uma piada sobre a atualidade política. “Anora está a ter uma boa noite”, começou. “São boas notícias. Duas vitórias já. Acho que os americanos estão entusiasmados por finalmente verem alguém fazer frente a um russo poderoso”, disse, arrancando fortes aplausos à plateia. A referência à atitude de Donald Trump perante Vladimir Putin, que muitos consideram de quase vassalagem, foi evidente para todos.
Pelo menos desde que, em 1973, Marlon Brando recusou o Óscar, mandando em sua representação uma nativa americana, a cerimónia tem servido de palco para declarações políticas, de que o discurso de Michael Moore, em plena Guerra do Iraque – “Shame on you, Mr. Bush” – foi um ponto alto.
No plano musical, Cynthia Erivo e Ariana Grande interpretaram “Defying Gravity”, do filme Wicked.
Noutro momento extra-cinema, Conan O’Brien chamou ao palanque alguns dos bombeiros que combateram os incêndios de janeiro na Califórnia, que causaram cerca de 30 mortos e milhares de milhões de dólares em prejuízos.
O comediante disse que nem ele era corajoso o suficiente para dizer algumas piadas relacionadas com a tragédia, o que ficou a cargo do muito aplaudido capitão Erik Scott.
Os derrotados Entre os grandes derrotados da noite contou-se Emilia Pérez, sobre o chefe de um cartel mexicano que pede ajuda para fazer uma operação de mudança de sexo. O filme esteve envolto em polémica, por quase não contar com mexicanos no elenco, e devido a declarações da atriz principal que foram consideradas xenófobas. Em Cannes, a comédia de Jacques Audiard tinha recebido o Prémio do Júri; em Los Angeles ficou-se pela estatueta de Melhor Atriz Secundária para Zoe Saldaña.
Outro derrotado foi O Brutalista. Nomeado para dez Óscares, era o grande favorito, mas venceu apenas três – Melhor Ator, Melhor Banda Sonora, Melhor Fotografia.
Adrien Brody arrecadou assim a sua segunda estatueta, e novamente com um filme relacionado com a Segunda Guerra Mundial. Em O Pianista (2002), de Roman Polanski, tinha vestido a pele do judeu polaco Wladyslaw Szpilman, um famoso pianista que consegue esconder-se num apartamento do Gueto de Varsóvia, escapando ao Holocausto. Em O Brutalista, Brody é László Tóth, um arquiteto judeu húngaro que também sobrevive ao Holocausto e emigra para a América, onde alcança grande sucesso profissional.
Note-se que Brody é de ascendência húngara. A sua mãe, que por sua vez era filha de um aristocrata húngaro e de uma judia checa, nasceu em Budapeste, tendo rumado aos EUA após a revolução de 1956 que acabou esmagada pela pronta intervenção soviética.