A bravata de Montenegro


A bravata de Montenegro resultou: ele fica, o Governo aguenta, o PS amocha, o PCP safa todos, Ventura fatura, o caso da empresa vai durar um tempinho e desaparecer gradualmente.


1. “Os cães ladram e a caravana passa”. Este velho ditado árabe pode ser a síntese política do dia de sábado. Confrontado ainda com questões dúbias à volta da sua empresa familiar e dos seus clientes, o chefe do Governo rodeou-se de uns inertizados ministros. Às 20 horas, anunciou à nação que a empresa passava a ser apenas dos filhos e que ele e a mulher se retiravam. Ao fazê-lo, reconheceu que errou nas panaceias anteriores, mas omitiu toda e qualquer nova explicação sobre aspetos relacionados com lucros, contas e compras de imóveis que o seu agregado familiar fez em pouco tempo. Habilmente, contornou a substância da bomba jornalística lançada pelo Expresso que, sexta-feira, revelara que a Solverde paga atualmente 4 mil e 500 euros/mês à empresa familiar, havendo dúvidas sobre as capacidades dos seus sócios, que ainda estudam e que já o eram desde os 18 e dos 15 anos, o que é no mínimo raro. Tudo isto significa que Montenegro dá por encerrado o capítulo da sua prestação de contas públicas sobre a empresa e a sua atividade. Isso não implica que o assunto morra e que a imprensa e a política não persistam em trazê-lo à colação. Os desenvolvimentos da semana passada aí estão para o demonstrar. Se no plano pessoal Montenegro sai ferido na asa e com a sua credibilidade tocada, já politicamente o primeiro-ministro jogou forte e bem. Foi uma bravata bem-sucedida que entalou todas as oposições. Até permite ao Pesidente Marcelo manter-se mudo e quedo ou limitar-se a dizer que, nas atuais circunstâncias, cabe ao Parlamento avaliar o Governo e decidir do seu futuro. Na sua comunicação, Montenegro sugeriu que poderia apresentar uma moção de confiança. Sugeriu, mas não garantiu (fumou, mas não inalou). O que disse mesmo foi que instava os partidos representados na Assembleia a declarar sem tibiezas se, depois de tudo o que já foi dito e conhecido, o Governo dispõe de condições para continuar a executar o seu programa, como resultou da votação (com rejeição) da moção de censura do Chega. A ideia era arriscada. Tratava-se de um convite a que Pedro Nuno Santos se chegasse à frente com uma moção de censura, uma vez que já tinha dito que votaria contra uma eventual moção de confiança que, inevitavelmente, seria rejeitada e poderia levar o país para eleições. Enquanto PNS cogitava sobre uma saída que não precipitasse a crise, foi o PCP que, talvez na expectativa de um acordo discreto sobre autárquicas, veio resolver o problema do PS e de toda a gente, ao anunciar que vai apresentar uma moção de censura. O PCP é macaco velho e mostrou-o. Ao contrário do que alguns pensam, não caiu numa esparrela. Evitou um quadro de mais umas legislativas que ninguém quer antes de 2026. O PS não vai votar a moção comunista por mais suave que seja e fica liberto de apresentar uma, dizendo que a questão não é de censura, mas de confiança, e que isso é matéria que tem de ser o Governo a pedir. Os liberais também não acompanham os comunistas. O PSD obviamente faz o mesmo, tal como o CDS. Já o Chega, o Bloco, o Livre e o PAN podem votá-la à vontadinha que é o mesmo que nada. Ventura fatura em grande porque foi o primeiro a ter a coragem de lançar a censura parlamentar, mesmo que fosse para esconder as suas vergonhas. Mas agora canta de galo. No fim de contas, Montenegro ficará legitimado pela segunda vez em quinze dias. E, por isso, deve considerar inútil e redundante uma moção de confiança. Esta só voltaria a ser praticamente obrigatória se o PC retirasse da de censura, o que é mais do improvável. A longa caravana do Governo e dos milhares de criaturas já nomeadas para dezenas de funções de Estado vai continuar a passar. A não ser que haja uma intervenção da Justiça que vire o jogo, as notícias incómodas sobre a Spinumviva ainda vão aparecer em força mais uns tempinhos. Depois surgirá outra coisa a ocupar as manchetes e poderemos aplicar um ditado mais nosso e menos arabesco: “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

2. Vá se lá saber porquê, costistas, sobras do sampaísmo e um núcleo próximo de Pedro Nuno Santos não param de incentivar, em público e em privado, a candidatura de António Vitorino. O mais recente foi o omnipresente Vieira da Silva, uma pérola raríssima do socialismo. Já Vitorino vai dando discretos sinais que tendem mais para o sim do que para o não. Se avançar, a criatura vai ser um maná para o jornalismo escrutinador que se pratica hoje em dia, dada a sua coleção de ligações a negócios enquanto advogado. Tem também ampla experiência política nacional e internacional, mas obra feita é que não se lhe conhece. Um pormenor certamente. Ao mesmo tempo, vai crescendo o movimento de apoio a António José Seguro, que beneficia da circunstância de ter andado em silêncio dez anos, a dar aulas universitárias e a desenvolver negócios normais. O ex-líder socialista não diz que avança, mas há indícios claros disso. Ao falar na necessidade de uma candidatura de cidadania está a sinalizar que esse seria o seu mote e que não seria a existência de um candidato oficial do PS que o levaria a desistir. Marques Mendes está, entretanto, nos primeiros contactos com grupos de estudantes e outros, havendo bons sinais desse lado. Na sua equipa conta com Duarte Marques, um político jovem, já muito experiente e conhecedor dos meandros da comunicação moderna (não se percebe como é que Montenegro não apostou nele para ministro para o combate político, no lugar de alguns verbos de encher que lá tem). Já Gouveia e Melo anda nos contactos discretos e petiscos, depois de ter lançado o seu manifesto no Expresso. A repercussão foi pequena para não dizer nula. Ali conta a figura, o seu prestígio popular e sobretudo o desprestigio da classe política de raça lusitana e não só.

3. A armadilha repugnante que a dupla Trump/Vance lançou a Zelenski para vergar a Ucrânia, sacar-lhe os seus minerais raros sem sequer lhe dar contrapartidas de garantia contra a Rússia, pode finalmente acordar a Europa democrática e uni-la em defesa dos seus valores e do seu espaço geográfico. A emissão em direto do encontro na Casa Branca fez parte de uma operação de força montada previamente, à qual Zelenski soube resistir como ninguém até hoje perante Trump. Os europeus mais ocidentalizados estão a tentar compor as coisas entre ambos. Mas têm mesmo é de aprender à pressa aquilo que os que se libertaram do jugo soviético no Leste nos anos 90 perceberam logo. São essenciais meios de defesa autónomos, mais a mais agora que há convergência entre americanos e russos. Se a NATO fraquejar, pois constituam-se novos mecanismos, partindo das maiores potências do Velho Continente. Desde logo as duas nucleares, o Reino Unido e a França. Mas também a Polónia, a Alemanha, a Itália, a Espanha, a Holanda e os Estados escandinavos (os Bálticos seguem por definição por serem dos que correm mais riscos). Simultaneamente, a União Europeia deve modificar a sua organização, pondo termo aos bloqueios vindos de países pequenos e que jogam com um pau de dois bicos, como a Hungria e a Eslováquia (anexados anos pelos comunistas). Há uma semana escreveu-se neste espaço que o passo seguinte da dupla Putin/Trump pode ir até à eliminação física de Zelenski. É um receio reforçado pelo que se passou em Washington. A Ucrânia e o seu povo viram reconhecidos os seus direitos e têm-se batido por eles, evitando uma colonização tipo Bielorrússia ou mesmo uma anexação. A Europa civilizada não pode largar a causa. Sobretudo agora que está à vista a deserção parcial da América, onde Trump mantém assinaláveis níveis de popularidade e não tem oposição. Quando se olha para trás e para a fragilidade desta Europa, lembremos de Gaulle que nunca confiou nos americanos e nunca integrou totalmente a França na NATO. Já os romanos diziam “se queres paz, prepara-te para a guerra”. Há coisas que não mudam.

A bravata de Montenegro


A bravata de Montenegro resultou: ele fica, o Governo aguenta, o PS amocha, o PCP safa todos, Ventura fatura, o caso da empresa vai durar um tempinho e desaparecer gradualmente.


1. “Os cães ladram e a caravana passa”. Este velho ditado árabe pode ser a síntese política do dia de sábado. Confrontado ainda com questões dúbias à volta da sua empresa familiar e dos seus clientes, o chefe do Governo rodeou-se de uns inertizados ministros. Às 20 horas, anunciou à nação que a empresa passava a ser apenas dos filhos e que ele e a mulher se retiravam. Ao fazê-lo, reconheceu que errou nas panaceias anteriores, mas omitiu toda e qualquer nova explicação sobre aspetos relacionados com lucros, contas e compras de imóveis que o seu agregado familiar fez em pouco tempo. Habilmente, contornou a substância da bomba jornalística lançada pelo Expresso que, sexta-feira, revelara que a Solverde paga atualmente 4 mil e 500 euros/mês à empresa familiar, havendo dúvidas sobre as capacidades dos seus sócios, que ainda estudam e que já o eram desde os 18 e dos 15 anos, o que é no mínimo raro. Tudo isto significa que Montenegro dá por encerrado o capítulo da sua prestação de contas públicas sobre a empresa e a sua atividade. Isso não implica que o assunto morra e que a imprensa e a política não persistam em trazê-lo à colação. Os desenvolvimentos da semana passada aí estão para o demonstrar. Se no plano pessoal Montenegro sai ferido na asa e com a sua credibilidade tocada, já politicamente o primeiro-ministro jogou forte e bem. Foi uma bravata bem-sucedida que entalou todas as oposições. Até permite ao Pesidente Marcelo manter-se mudo e quedo ou limitar-se a dizer que, nas atuais circunstâncias, cabe ao Parlamento avaliar o Governo e decidir do seu futuro. Na sua comunicação, Montenegro sugeriu que poderia apresentar uma moção de confiança. Sugeriu, mas não garantiu (fumou, mas não inalou). O que disse mesmo foi que instava os partidos representados na Assembleia a declarar sem tibiezas se, depois de tudo o que já foi dito e conhecido, o Governo dispõe de condições para continuar a executar o seu programa, como resultou da votação (com rejeição) da moção de censura do Chega. A ideia era arriscada. Tratava-se de um convite a que Pedro Nuno Santos se chegasse à frente com uma moção de censura, uma vez que já tinha dito que votaria contra uma eventual moção de confiança que, inevitavelmente, seria rejeitada e poderia levar o país para eleições. Enquanto PNS cogitava sobre uma saída que não precipitasse a crise, foi o PCP que, talvez na expectativa de um acordo discreto sobre autárquicas, veio resolver o problema do PS e de toda a gente, ao anunciar que vai apresentar uma moção de censura. O PCP é macaco velho e mostrou-o. Ao contrário do que alguns pensam, não caiu numa esparrela. Evitou um quadro de mais umas legislativas que ninguém quer antes de 2026. O PS não vai votar a moção comunista por mais suave que seja e fica liberto de apresentar uma, dizendo que a questão não é de censura, mas de confiança, e que isso é matéria que tem de ser o Governo a pedir. Os liberais também não acompanham os comunistas. O PSD obviamente faz o mesmo, tal como o CDS. Já o Chega, o Bloco, o Livre e o PAN podem votá-la à vontadinha que é o mesmo que nada. Ventura fatura em grande porque foi o primeiro a ter a coragem de lançar a censura parlamentar, mesmo que fosse para esconder as suas vergonhas. Mas agora canta de galo. No fim de contas, Montenegro ficará legitimado pela segunda vez em quinze dias. E, por isso, deve considerar inútil e redundante uma moção de confiança. Esta só voltaria a ser praticamente obrigatória se o PC retirasse da de censura, o que é mais do improvável. A longa caravana do Governo e dos milhares de criaturas já nomeadas para dezenas de funções de Estado vai continuar a passar. A não ser que haja uma intervenção da Justiça que vire o jogo, as notícias incómodas sobre a Spinumviva ainda vão aparecer em força mais uns tempinhos. Depois surgirá outra coisa a ocupar as manchetes e poderemos aplicar um ditado mais nosso e menos arabesco: “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

2. Vá se lá saber porquê, costistas, sobras do sampaísmo e um núcleo próximo de Pedro Nuno Santos não param de incentivar, em público e em privado, a candidatura de António Vitorino. O mais recente foi o omnipresente Vieira da Silva, uma pérola raríssima do socialismo. Já Vitorino vai dando discretos sinais que tendem mais para o sim do que para o não. Se avançar, a criatura vai ser um maná para o jornalismo escrutinador que se pratica hoje em dia, dada a sua coleção de ligações a negócios enquanto advogado. Tem também ampla experiência política nacional e internacional, mas obra feita é que não se lhe conhece. Um pormenor certamente. Ao mesmo tempo, vai crescendo o movimento de apoio a António José Seguro, que beneficia da circunstância de ter andado em silêncio dez anos, a dar aulas universitárias e a desenvolver negócios normais. O ex-líder socialista não diz que avança, mas há indícios claros disso. Ao falar na necessidade de uma candidatura de cidadania está a sinalizar que esse seria o seu mote e que não seria a existência de um candidato oficial do PS que o levaria a desistir. Marques Mendes está, entretanto, nos primeiros contactos com grupos de estudantes e outros, havendo bons sinais desse lado. Na sua equipa conta com Duarte Marques, um político jovem, já muito experiente e conhecedor dos meandros da comunicação moderna (não se percebe como é que Montenegro não apostou nele para ministro para o combate político, no lugar de alguns verbos de encher que lá tem). Já Gouveia e Melo anda nos contactos discretos e petiscos, depois de ter lançado o seu manifesto no Expresso. A repercussão foi pequena para não dizer nula. Ali conta a figura, o seu prestígio popular e sobretudo o desprestigio da classe política de raça lusitana e não só.

3. A armadilha repugnante que a dupla Trump/Vance lançou a Zelenski para vergar a Ucrânia, sacar-lhe os seus minerais raros sem sequer lhe dar contrapartidas de garantia contra a Rússia, pode finalmente acordar a Europa democrática e uni-la em defesa dos seus valores e do seu espaço geográfico. A emissão em direto do encontro na Casa Branca fez parte de uma operação de força montada previamente, à qual Zelenski soube resistir como ninguém até hoje perante Trump. Os europeus mais ocidentalizados estão a tentar compor as coisas entre ambos. Mas têm mesmo é de aprender à pressa aquilo que os que se libertaram do jugo soviético no Leste nos anos 90 perceberam logo. São essenciais meios de defesa autónomos, mais a mais agora que há convergência entre americanos e russos. Se a NATO fraquejar, pois constituam-se novos mecanismos, partindo das maiores potências do Velho Continente. Desde logo as duas nucleares, o Reino Unido e a França. Mas também a Polónia, a Alemanha, a Itália, a Espanha, a Holanda e os Estados escandinavos (os Bálticos seguem por definição por serem dos que correm mais riscos). Simultaneamente, a União Europeia deve modificar a sua organização, pondo termo aos bloqueios vindos de países pequenos e que jogam com um pau de dois bicos, como a Hungria e a Eslováquia (anexados anos pelos comunistas). Há uma semana escreveu-se neste espaço que o passo seguinte da dupla Putin/Trump pode ir até à eliminação física de Zelenski. É um receio reforçado pelo que se passou em Washington. A Ucrânia e o seu povo viram reconhecidos os seus direitos e têm-se batido por eles, evitando uma colonização tipo Bielorrússia ou mesmo uma anexação. A Europa civilizada não pode largar a causa. Sobretudo agora que está à vista a deserção parcial da América, onde Trump mantém assinaláveis níveis de popularidade e não tem oposição. Quando se olha para trás e para a fragilidade desta Europa, lembremos de Gaulle que nunca confiou nos americanos e nunca integrou totalmente a França na NATO. Já os romanos diziam “se queres paz, prepara-te para a guerra”. Há coisas que não mudam.