Portugal deveria potenciar ainda mais corrida ao ‘ouro branco’

Portugal deveria potenciar ainda mais corrida ao ‘ouro branco’


Economista diz que Portugal deveria atuar rapidamente, “aproveitando o ciclo atual de eletrificação para retirar o máximo de retorno possível do seu lítio antes que o mercado evolua para outras soluções”


O lítio vai ganhando cada vez mais importância à medida que avançamos para um futuro mais sustentável, tornando-se um componente essencial para inovações tecnológicas e soluções energéticas mais verdes. E a produção de baterias para carros elétricos ditam ainda esta mais tendência, como admitem os economistas ouvidos pelo i. “O lítio é atualmente um elemento crítico na transição energética e no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, sendo fundamental na produção de baterias de iões de lítio. Estas baterias são amplamente utilizadas em veículos elétricos, dispositivos eletrónicos (telemóveis, portáteis, tablets) e no armazenamento de energia renovável”, diz Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, acrescentando que “a sua elevada densidade energética, longa durabilidade e baixo peso tornam-no indispensável para a mobilidade elétrica e redução da dependência dos combustíveis fósseis”.
A somar a isso há que contar, de acordo com o responsável, a utilização do lítio em indústrias como a aeronáutica, cerâmica, vidro, farmacêutica e, até mesmo, na produção de ligas metálicas leves. “A crescente procura global faz do lítio um recurso estratégico para o futuro da energia limpa”, salienta.
Uma opinião partilhada por Henrique Tomé, analista da XTB ao lembrar que sendo um ativo estratégico relevante para o mercado – face ao papel que desempenha na transição energética e na mobilidade sustentável, sendo um dos principais elementos utilizados na produção de baterias – o crescimento da indústria de veículos elétricos, dispositivos eletrónicos e armazenamento de energia renovável tem feito disparar a procura de lítio por parte da indústria e, por consequência, por parte dos investidores. Já em relação ao preço do lítio, admite que se tem mostrado “altamente volátil, sujeito a variações na oferta e na procura, regulamentações governamentais e inovações tecnológicas”, acrescentando que “o facto de a produção de lítio estar concentrada em poucos países, e tendo em conta as crescentes exigências ambientais, é difícil prever o caminho que os preços do lítio irão seguir”.

Aposta nacional

Paulo Monteiro Rosa diz, no entanto, que os projetos de lítio em Portugal são fundamentais para o aproveitamento dos recursos naturais, impulsionando a economia e criando novas oportunidades de emprego. “Com uma das maiores reservas de lítio da Europa, o país pode reduzir a sua dependência externa e fortalecer a indústria nacional, sobretudo na produção de baterias para veículos elétricos e no armazenamento de energia renovável. Além disso, o desenvolvimento de refinarias e fábricas pode posicionar Portugal estrategicamente na cadeia de valor da mobilidade sustentável”, afirma ao nosso jornal.
Mas deixa um recado: “As fábricas de componentes para baterias poderiam ser implementadas em Portugal para transformar o lítio refinado em materiais ativos, como cátodos e ânodos, e até mesmo na produção de células de bateria e módulos. No entanto, é essencial garantir uma proteção responsável, minimizando os impactos ambientais e respeitando as comunidades locais, equilibrando o crescimento económico com a sustentabilidade”.
Já Henrique Tomé reconhece que Portugal tem vindo a afirmar-se como um país importante na Europa nesta área, devido ao seu potencial na exploração de lítio e chama a atenção para o facto de a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) ter identificado novas áreas com potencial de exploração. Uma situação que, de acordo com o mesmo, “nos leva a crer que Portugal pode efetivamente beneficiar bastante caso utilize o lítio de forma estratégica. Aumentar os esforços neste domínio poderá levar à criação de novos postos de emprego e ser benéfico para algumas regiões, sobretudo do interior do país, onde se encontram as principais zonas de potencial exploração”.

Estamos perante a quarta revolução industrial?

Para muitos estamos perante a quarta revolução industrial, mas Paulo Monteiro Rosa recorda que a mesma está em curso há alguns anos, caracterizada pela integração de tecnologias avançadas, como inteligência artificial, automação, robótica, Internet das Coisas (IoT) e energias renováveis, apesar de reconhecer que o lítio desempenha um papel crucial nesta transformação, viabilizando a eletrificação dos transportes e o armazenamento de energia, fundamentais para a transição energética e a digitalização da economia. “Diferente das revoluções anteriores, que foram impulsionadas pelo vapor, eletricidade e informática, a quarta revolução industrial destaca-se pela convergência entre o mundo físico, digital e biológico, permitindo processos produtivos mais eficientes, sustentáveis e conectados. Assim, o avanço das baterias de lítio e da inteligência artificial parecem andar de mãos dadas e são exemplos claros dessa mudança estrutural na indústria e na sociedade”, refere ao i.
Também reticente com a ideia da quarta revolução industrial está Henrique Tomé e explica porquê: “Falar em quarta revolução industrial parece ser exagerado, principalmente quando analisamos que a procura por lítio tem vindo a diminuir e os preços encontram-se em mínimos de cinco anos, com um excesso de matéria-prima nos mercados chineses”, refere ao nosso jornal.
E as razões não ficam por aqui. Segundo o analista, “verifica-se um excesso de oferta de baterias e um abrandamento no mercado dos carros elétricos, além de que a tecnologia ainda não se desenvolveu o suficiente ao ponto de as baterias para carros elétricos ou armazenamento de energia (por exemplo para painéis solares) serem proporcionalmente compensatórios face aos seus preços”. No entanto, reconhece que tem havido um grande investimento nesta matéria, grandes desenvolvimentos, apesar de estarmos a registar atualmente “a registar uma estagnação e o tópico deixou de estar no centro das atenções. A revolução já está em curso, mas antes no campo da inteligência artificial”.

Costa voltadas vs aproveitar a oportunidade

De acordo com o economista do Banco Carregosa, Portugal tem adotado uma postura ambígua em relação à exploração do lítio. Por um lado, o nosso país possui reservas significativas deste mineral, especialmente na região de Montalegre e Boticas, onde há vários projetos de mineração e refinaria em desenvolvimento, que poderiam posicionar o país como um player estratégico na cadeia de valor das baterias elétricas; mas, por outro lado, a exploração enfrenta forte oposição de grupos ambientalistas e comunidades locais, que alertam para os impactos ecológicos e sociais da mineração. “Embora o país tenha potencial para aproveitar esta oportunidade, os processos de licenciamento e regulamentação têm sido lentos. Além disso, Portugal deve capitalizar ao máximo esta oportunidade em toda a cadeia de valor, não se restringindo apenas à extração do lítio, mas investindo também na refinação, processamento e produção de baterias. Ao desenvolver infraestruturas para transformação e fabrico de componentes, o país poderá gerar mais valor económico, criar empregos qualificados e reduzir a sua dependência do exterior. Para isso, é essencial um planeamento estratégico que equilibre sustentabilidade ambiental, inovação tecnológica e competitividade industrial, garantindo que Portugal não perca esta janela de oportunidade na transição energética global”, diz ao nosso jornal.
De acordo com Paulo Monteiro Rosa, “nada garante que esta oportunidade se mantenha a longo prazo, já que novas tecnologias podem emergir e revolucionar o mercado das baterias. Alternativas como baterias de sal, hidrogénio ou mesmo outras inovações futuras atualmente desconhecidas podem mudar o curso da transição energética. Por isso, é crucial que Portugal atue rapidamente, aproveitando o ciclo atual de eletrificação para retirar o máximo de retorno possível do seu lítio antes que o mercado evolua para outras soluções”.
E não hesita: “Quanto mais rápido o país capitalize financeiramente nesta fase, aumentando o seu PIB [Produto Interno Bruto], menos vulnerável ficará a mudanças tecnológicas. No entanto, o processo lento da burocracia e a influência dos lobbies continuam a ser grandes obstáculos. Portugal tem um histórico de decisões adiadas, e se essa postura se repetir, corre o risco de perder o timing ideal e ficar com um recurso valioso, mas sem mercado para escoá-lo”.
Já Henrique Tomé lembra que devido às questões ambientais que surgiram associadas à exploração do lítio, Portugal não extraiu o máximo de matéria-prima possível, nomeadamente entre 2017 e 2022, quando a procura por lítio era mais significativa. “Neste momento, com os preços em mínimos, os benefícios económicos perdem ainda mais peso. Também devemos salientar que o mundo está a sofrer algumas alterações a nível económico e de parcerias comerciais (principalmente com as tarifas da Administração de Donald Trump e a guerra na Ucrânia). Isto pode alterar a cadeia de abastecimento e os preços do lítio, o que poderia levar a que o interesse nesta exploração voltasse ao de cima”, salienta.
E conclui: “Adicionalmente, não devemos esquecer que o lítio pode ter impacto ambiental significativo, mas também pode desenvolver essas regiões a nível económico e social através de, por exemplo, construção de infraestruturas complementares à atividade de exploração e criação de novos postos de emprego”.