Nota prévia: Seja por estar a ser chantageado por alegados deboches numa longínqua ida à Rússia, seja para os Estados Unidos beneficiarem dos despojos de uma Ucrânia fragilizada, amputada e numa paz podre, seja para combater o peso da Europa democrática que ele odeia, o facto é que Donald Trump está a fazer tudo o que Putin quer. O único real obstáculo à implantação das condições do novo Czar chama-se Zelenski, o líder de um povo cansado de uma guerra de invasão alargada que dura há três anos, mas que começou em 2014 com a anexação da Crimeia. Num país ferido e invadido não pode haver eleições, como exige Trump. E, se houvesse, Zelenski ganhava. O serventuário americano e o chefe Putin sabem-no bem. E também sabem que o líder ucraniano não deixará o país e o poder sem ter, no mínimo, assegurada a entrada para a NATO. Por isso, não surpreenderia se o passo seguinte fosse a sua eliminação física. Putin é especialista nessas matérias e os americanos também têm prática. O mundo está perigoso para todos nós, mas muito mais para Zelenski. O líder ucraniano tem agora mais um problema, depois das eleições alemãs. A vitória da CDU de Merz, um conservador de direita e firme apoiante de Kiev, confirmou-se. O problema é que pode levar tempo a negociar um governo de coligação com os sociais-democratas e, eventualmente, os verdes e sem a extrema-direita putinista do AFD, financiada por Elon Musk. Ora, tempo é coisa que Zelenski não tem, face ao bullying de Trump, que vai certamente aumentar ainda mais nas próximas semanas.
1. Não há volta a dar: quando uma moção de censura é rejeitada é sempre uma vitória do governo. E quando o proponente é o único a votá-la e fica isolado, torna-se evidente que foi um tiro no pé. Foi o que aconteceu a André Ventura e ao Chega do ponto de vista estritamente político. Já o estardalhaço mediático à volta da iniciativa cumpriu o propósito de abafar a sucessão de casos no partido. Para Ventura foi uma batalha política inglória, mas útil. Ficou claro que a guerra vai continuar, agora com a ameaça de promover uma comissão parlamentar de inquérito se Montenegro persistir em não responder a uma série de perguntas, nomeadamente os nomes das entidades a quem a sua empresa familiar prestou serviços e qual a respetiva natureza, exigência também partilhada pelo PS. Desde que o caso da empresa de Montenegro e família surgiu, foi-se multiplicando o conhecimento da existência de muitas outras, mais ou menos semelhantes, detidas por políticos de todos os quadrantes, o que desde logo relativiza o caso do primeiro-ministro. É, no entanto, óbvio que ele geriu tardiamente o assunto. Em contrapartida, fê-lo de forma fria e racional, limitando os danos. Deu apenas os esclarecimentos suficientes, política e eticamente em tom teatralmente indignado, o que não encerra um assunto mediaticamente aliciante. A já citada sucessão de descobertas de empresas imobiliárias de largo espectro serviu também para lembrar que somos dos povos mais proprietários. Portugal é um verdadeiro “casaquistão”! Além de casos e casinhos, temos também casas e casinhas em abundância, mas que de pouco ou nada servem para resolver o drama da habitação.
2. Agora, sim, Gouveia e Melo está na corrida a Belém. O seu manifesto no Expresso (esperemos que a seguir não venha uma coluna regular) retirou a última dúvida que pudesse haver. O homem do mar não surpreendeu em nada. Seguiu o guião da moderação e politicamente situou-se no grande centrão, afirmando-se fora de partidos e da política, o que é contraditório com o percurso de alguém que deve os seus cargos principais precisamente a escolhas políticas. Autoclassifica-se de independente e isento, o que contraria claramente o julgamento público e sumário que fez de militares que se recusaram (e bem) a embarcar num navio meio avariado que envergonhava um país de marinheiros descobridores. Quanto ao resto, aproveitou para dar umas indiretas a Marcelo (que já lhe respondeu que todos os presidentes foram independentes e diferentes) e a Marques Mendes e andou à volta de casos históricos em que houve fortes intervenções presidenciais, insinuando o que faria se tivesse sido ele a estar lá. Foi um exercício retroativo tão interessante quanto inútil, porquanto cada caso é um caso. A prosa de Melo e de quem o ajudou a sistematizar serve como uma apresentação proclamatória e será certamente a base de toda a sua estratégia discursiva, a menos que haja factos supervenientes inesperados, interna e externamente. São palavras bem arrumadas, mas o conteúdo geral é fraco. Perpassam ali os sinais de alguém que se pode considerar mais um “perigosíssimo moderado” que, todavia, não deixa de fazer passar sinais de poder usar de uma certa firmeza castrense, se for mesmo necessário. Feitas as contas, nada de inesperado. Nem brilhante, nem medíocre. Um concorrente certinho, mainstream q.b., com o Expresso a estender-lhe um tapete simpático na Revista e nas prosas analíticas dos seus jornalistas “expertos” em política. Teve azar com o dia da publicação, já que a comunicação social audiovisual se concentrava horas a fio no acompanhamento da moção de censura do Chega, retirando o efeito desejado ao artigo. Teria sido eventualmente mais proveitoso escolher, por exemplo, o Público e conseguir dois artigos mais sintéticos durante a semana. A exposição de Gouveia e Melo foi, no entanto, útil. Percebe-se que subliminarmente tenta colocar-se como uma espécie de Ramalho Eanes dos nossos dias. É possível que pegue junto de boa parte de um eleitorado saturado de políticos e de casos. O texto pode indiciar o que se referiu neste espaço há umas semanas. Ou seja, a inevitabilidade de Gouveia e Melo, caso seja eleito, verificar que o papel do Presidente está muito distante da capacidade executiva, surgindo a tentação de criar um partido ou um movimento presidencialista qualquer. A forma como as questões são expostas e as linhas de orientação que traça permitem admitir um desiderato desse género. Sobretudo quando alude poder-se dissolver o parlamento, por um governo não estar a cumprir ou a fazer o contrário do que prometeu. É o tipo de definição tão genérica e alargada que dá para tudo e é perigosa, dada a carga de interpretação subjetiva que consente. Uma coisa, porém, é certa. Agora, Gouveia e Melo está na corrida e já expressou algum pensamento político, embora como diz um observador estrangeiro profundamente conhecedor de Portugal, “Homem do centro não quer dizer nada”. É bem verdade, mas dá muito jeito para quem quer ser pardo e contar sobretudo com a imagem.
3. Um homem de certa idade sofreu um AVC à porta do Hospital de Évora, mas ninguém saiu lá de dentro para o socorrer. Mandaram dizer que tinha de vir através do 112 e do INEM. Houve, portanto, uma zelosa besta burocrática (ou várias) que seguiu o protocolo de referenciação que anda por aí para evitar a sobrecarga das urgências. A ministra da Saúde mandou abrir um inquérito interno ao comportamento. Os burocratas deverão ter excelentes argumentos para justificar a sua insensibilidade, digna de torcionários. Parece que o doente teve de esperar mais de 20 minutos pelo socorro e está bem. Merece, coitado. O que merecia mesmo é que os culpados pagassem caro. Por exemplo, 20 meses de cadeia, 20 mil euros de indemnização e depois 20 anos de proibição de exercício da profissão. Seria uma unidade de pena por cada minuto que levou a ambulância a chegar. Bastava uma sentença dessas uma única vez uma vez, com abertura de telejornais, para mudar muitas coisas na nossa desgraçada Saúde.