Em tudo na vida somos levados a ajustamentos, por vontade própria ou por força das circunstâncias. O desafio é fazê-lo, sem nos afastarmos excessivamente dos valores e tendo sempre por referência a legalidade. O problema é que demasiados decisores, instituições, comunidades e países, por falta de atenção aos sinais e às tendências perseguem um imobilismo defensivo, em proteção dos equilíbrios existentes e dos interesses particulares, isentando-se de fazer o que é devido, para, por via de ajustamentos, responderem às necessidades e às novas realidades. Quando não há ajuste, por imobilismo ou falta de noção das dinâmicas positivas e negativas existentes, surge o que não queremos e o que outros querem por nós. Há muito boa gente que, por convicção no limiar da presunção ou por desleixo, acha que não tem de ir mudando de chip, de quadro de referências em que se move, em função das evoluções e das regressões, que se registam. Na política, são abundantes os protagonistas que julgam que o perfil talhado pelo tempo, pelas circunstâncias e pelas convicções é produto suficiente para sobreviver, resistir e superar as vicissitudes dos nossos tempos. Nada de mais errado. A falta de mudança de chip é uma tragédia, quando forçada, imposta ou concretizada em estado de necessidade.
Veja-se o quadro de miséria europeu a acorrer, em desespero, à necessidade de esboçar um quadro de segurança militar que responda ao novo contexto da invasão russa da Ucrânia e ao virar de costas dos Estados Unidos da América à Europa ou aos espasmos de resposta da União à falta de competitividade da economia, à desindustrialização, aos desafios da inteligência artificial, aos deslaços sociais e a mínimos de posicionamento no mundo para fazer frente a outros como bloco com músculo negocial.
Veja-se ainda o quadro de evidente degradação da democracia e das instituições, por manifesta falta de exigência ética, de transparência e de senso na ação política e no escrutínio realizado pelos media e pelas redes sociais, enquanto se aprofundam derivas perigosas de laxismo na observância de regras sociais, de disfunção do sistema judicial e de fragilidade dos serviços públicos e do próprio Estado. O exercício político, governativo e parlamentar, mas também o partidário, abandalhou-se por falta de critério, de senso, de exigência e desajuste no chip. Houve um tempo, no século passado, entre a Revolução de Abril e meados da década de 90, em que quase tudo se podia, porque sempre tinha sido assim em democracia, a exigência era q.b. e o escrutínio era insuficiente. Até que a disfunção passou a ser escrutinada, apontada e algo sancionada, em boa parte, reconheça-se, por impulso de alguns media. A verdade é que o chip político para exercício de funções públicas na década de 80 ou 90, não serve para quase nada na atualidade, mas há quem insista em conjugar a ideologia de sempre com os critérios de referência desses circuitos integrados do século passado. Já não dá. O Mundo mudou e com ele, as pessoas, as dinâmicas e até os compromissos. Em muitos aspetos as melhorias são evidentes, noutros são gritantes os desfasamentos entre as necessidades e as respostas ou a falta de noção das opções políticas e partidárias. Não houve antecipação, nem mudança de chip, há desfasamento e emergência de fenómenos perigosos. Estamos no limiar da consagração total do “são todos iguais”, agora que a deriva de degradação contagiou o justicialismo do Chega. É preciso mudar de chip, a começar pelo do primeiro-ministro e do presidente da República. Por risco de gangrena de desconfiança, mesmo por excesso de escrutínio da vida privada, não se pode ter um político com acrescidas responsabilidades que não divulga para quem trabalhou no passado. Por risco de crónica falta de vergonha na cara, não se pode ter um presidente da República que tenta esconder comunicações quando ele está em causa no caso das gémeas e defende o desnudo total quando é com os clientes da empresa familiar do primeiro-ministro. Mesmo sendo Marcelo a ser Marcelo, é de uma incoerência total. Imagine-se um escrutínio sobre os seus pareceres jurídicos no passado, antes da presidência?
Houve um tempo em que individual e coletivamente podíamos ter mudado voluntariamente de chip, atualizando-o, sem perder as referências, os valores e a configuração das respostas. Nos partidos, nas comunidades e nas instituições, continua a haver quem queira manter os circuitos integrados de outrora, torpedeando quem está pronto para responder aos desafios atuais, na política corrente, nas comunidades locais, na Presidência da República e na União Europeia. Tem tudo para correr mal para o imobilismo dos chipados de outrora, porque a realidade, as necessidades e os desafios não param e evidenciam-se. O mundo dos poderes instalados mudou, está difuso, inconsistente na obtenção dos resultados de manutenção dos interesses, sujeito a novas exigências e a necessitar de urgente mudança de chip. Quem não o fizer, fica para trás, à margem do senso e do interesse geral, enleado na incapacidade de responder ao essencial. Portugal e a União Europeia são voluntários à força para mudar de chip.
NOTAS FINAIS
FRANCISCO, POIS ENTÃO. Sendo batizado, não me revejo na palavra e no exercício, mas respeito quem o é e considero quem se apresentou com uma missão de transformação, de humildade e proximidade ao nosso tempo. O Papa Francisco será sempre uma lufada de ar fresco, um novo chip sem deixar a doutrina, razão maior para desejar a sua recuperação. O Mundo em desagregação precisa de vozes e de ações positivas.
UCRÂNIA, POIS CLARO. Três anos de barbárie russa, dois meses de implosão do compromisso transatlântico não apenas na defesa, mas em todos os domínios. O destrato e o dislate podem até ser levados com euforia pelos vigentes americanos, pode inclusive ser o final previsível face às incapacidades europeias, mas há esferas de admiração e de compromisso que são individuais e essas ninguém lhes toca. Por mim, sem reação do povo americano perante derivas internas e externas autocráticas, já foram. Mudaram para o chip errado e nem os têm em número suficiente.
DEUTSCHLAND UBER NICHTS. A incapacidade para gerar respostas aos desafios do presente, levam a uma mudança de liderança de governo na Alemanha, à emergência da extrema-direita como segunda força e ao definhamento do SPD. Uma Alemanha de mínimos logo quando os alemães e os europeus precisavam de dinâmicas de máximos. É preciso mudar o chip atempadamente.